A menos de uma semana para o final, importa falar da exposição “Esboços do Corpo” e do trabalho de Ana Sousa Santos, das peças que integram esta mostra, da forma como dialogam entre si e das questões que convocam. Movendo-se no vasto espaço entre a escultura e o desenho artístico, a artista faz recair o seu interesse na figura humana, atenta ao movimento do corpo, à sua volumetria e ao sentimento expresso em diversas posições. Partindo da observação, o processo artístico desenvolve-se mediante a identificação pessoal das múltiplas linguagens que a figura humana pode assumir, capturando-lhe as nuances e projectando-as numa vasta gama de materiais, nomeadamente o barro cerâmico, o gesso e a resina. A exposição é composta por um conjunto de esbocetos de figuras humanas, passadas a gesso, modelações em barro cerâmico, pinturas de vários formatos e alguns desenhos, ocupando todo o espaço da Casa Municipal da Cultura de Estarreja.
Forma maior do pensamento artístico, a representação do corpo humano tem algo de divino. No processo criativo que encerra, o trabalho sobre o corpo transcende a dimensão artística, expandindo-a a áreas do pensamento abstracto onde se cruzam conceitos como os de génese, inspiração, intimidade, moralidade, pudor, perfeição, Deus. Entre o que se espalha e o que se dilui, do cérebro que cria às mãos que executam, Ana Sousa Santos mostra o quanto de primordial há nas suas obras, de fogo e de terra, de ar e de água. Criaturas tocadas pela graça de uma criadora inspirada, cada uma das peças concentra em si a forma e o vigor dos gestos da artista, prolongando-a num espaço irredutivelmente seu e tornando corpóreo aquilo que, instantes atrás, se mostrava confinado ao mundo das ideias. As cores sublinham essa forte ligação a um espaço orgânico e telúrico, os pigmentos de café, curcuma ou beterraba assumindo a mesma importância de aguarelas, acrílicos e bioxenes.
Se a questão dos elementos é particularmente relevante no trabalho de Ana Sousa Dias, justificando por si só uma visita à exposição, valerá a pena explorar outras virtualidades do trabalho da artista, nomeadamente a forma como as peças dialogam entre si. No contraponto entre os esbocetos em gesso e as figuras em barro cerâmico encontramos os caminhos daquilo que se convencionou chamar o perfeito e o imperfeito, mas que no contexto da obra da artista são conceitos que parecem contradizer-se, subvertendo e inquietando. Atente-se também na forma como a tela recebe o gesso com o mesmo gesto que seria usado para modelar um busto, por exemplo. Também aqui a passagem do tridimensional para o bidimensional não corresponde necessariamente à transmutação do complexo em simples, afastando a discussão dos consensos, fazendo-a fluir de forma desordenada e transgressora. Eis alguns motivos pelos quais esta exposição é de visita obrigatória. Mas há mais!
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