TERTÚLIA LITERÁRIA: “Conversas às 5”,
com Miguel Araújo
Moderação | Joaquim Margarido
Auditório do Centro de Reabilitação do Norte
09 Nov 2021 | qua | 17:00
Depois de João Luís Barreto Guimarães, Sandra Barão Nobre e Sérgio Almeida, o cantor, escritor de canções e cronista Miguel Araújo ocupou o lugar de convidado de honra em mais uma sessão das Tertúlias Literárias “Conversas às 5”, promovidas pelo Centro de Reabilitação do Norte. Particularmente participado, o momento serviu para conhecer o autor dos livros “Penas de Pato” e “Seja o que For” numa dimensão essencialmente intimista, menos próxima dos palcos da fama que, como poucos, sabe pisar com apego e afecto, e o mostra como um optimista militante, um espectador da vida como ela é, alguém que, à varanda, se detém a vê-la passar. Foi mais de uma hora de conversa onde, entre muitas outras coisas, se “inventaram gatos”, se falou no Sr. Germano ou no Gomes dos Recursos Humanos, se ligou a Madre Teresa de Calcutá às redes sociais e se citou Daniel Faria para dizer que “seja o que for, será bom.”
Antes ainda das perguntas e respostas que marcaram a sessão e na qual os presentes tiveram um papel determinante, a poeta Aurora Gaia leu a belíssima crónica “Idílio”, texto em prosa ornamentado de música e de poesia, o qual o autor revelaria tratar-se da letra para uma canção que nunca chegou a sê-lo. “Talvez este momento possa servir para regressar a ela”, disse. Contando que “um pedaço de texto que se resolve em cinco minutos terá eventualmente mais de mim do que uma canção que me demora cinco meses”, Miguel Araújo falou da “verdade” dos seus textos, uma verdade resgatada às memórias da infância ou bebida na vida que desfila à sua frente, numa corrida matinal ao longo da marginal de Matosinhos ou num passeio com a família no alto da Serra d’Arga.
Contrastando com a difícil convivência com a língua e com as palavras no labor de uma canção, o processo de escrita das suas crónicas revela-se bem mais descomplicado. Com o deadline à perna, sob pressão, confia-se ao improvável deus dos cronistas, sabendo que, à hora acordada, aconteça o que acontecer, tem de ter o “morto” feito à medida exacta de um “caixão” de 3300 caracteres. Isto dá-lhe a possibilidade de ser mais verdadeiro, de ter menos de si a interpor-se-lhe no caminho ou, se assim o quisermos, de levar à prática o corolário “põe o mínimo de ti no máximo que fazes”. Uma máxima que convida a visitar o seu contrário - “põe o máximo de ti no mínimo que fazes” (Ricardo Reis) - e que deu azo a falar da importância de colocar a louça na máquina ou de como ser um marido excelente, desde que isso não implique fazer “coisas de adultos”, como “trocar fusíveis” ou “enfrentar um urso com as mãos”.
Descontraído, com um enorme sentido de humor, Miguel Araújo foi respondendo às mais variadas questões, desde a razão de ser do título “Penas de Pato” do seu primeiro livro, ao cromo do Archibald que lhe faltava na caderneta do Mundial de 86 (“num concerto, um fã ofereceu-me, já amarelado, mas passou tanto tempo que agora tenho o cromo mas não tenho a caderneta”). Continua a não jogar no Euromilhões com medo que lhe saia o primeiro prémio, a embirrrar cada vez mais com o futebol, “o único desporto onde a batota é premiada”, e a não ver televisão à hora dos noticiários como forma de preservar a sua sanidade mental e a da família. Para o final, buscou abrigo em Fernando Pessoa para falar de uma cultura que, sendo nossa, não é propriamente portuguesa. Exemplificando, referiu que “a cultura dos nossos jovens é muito mais a do Burger King do que a das Tripas à Moda do Porto” ou que “somos muito mais de brincar aos índios e caubóis do que aos campinos ou aos descobrimentos”.
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