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quinta-feira, 23 de setembro de 2021

TERTÚLIA LITERÁRIA: "Conversas às 5" | Sérgio Almeida


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TERTÚLIA LITERÁRIA: “Conversas às 5”,
com Sérgio Almeida
Auditório do Centro de Reabilitação do Norte
21 Set 2021 | ter | 17:00


Após a pausa estival, o Auditório do Centro de Reabilitação do Norte voltou a abrir as suas portas para um novo encontro à roda dos livros. Tratou-se da terceira sessão das Tertúlias Literárias “Conversas às 5”, com moderação de Joaquim Margarido, e que teve como convidado o escritor e jornalista Sérgio Almeida. Nascido em Luanda em 1975, é licenciado em Comunicação Social e exerce a profissão de jornalista desde os 18 anos. Ligado, desde essa altura, à imprensa escrita, tem acumulado também experiências noutros meios, como a rádio e televisão. Sérgio Almeida é autor dos livros “Análise Epistemológica da Treta” (contos), “Armai-vos uns aos outros” (novelas), “Não conto” (contos), “Como ficar louco e gostar disso”" (poemas), “Ob-dejectos” (prosa poética), “O elefante que não sabia voar” (infantojuvenil), “Periferia” (poesia), “Ema e a Estrela Carente” (infantojuvenil) e “A Arte do Nada – O Lastimoso Destino dos Besugos” (sátira). Paralelamente à sua atividade profissional é promotor cultural, sendo o coordenador e moderador dos ciclos literários “Porto de Encontro” e “Palavra de Escritor”.

Aberta a sessão, Sérgio Almeida começou por falar do seu mais recente livro, “A Arte do Nada – O Lastimoso Destino dos Besugos”, justificando a sua escrita com a “necessidade de reagir a mais um escândalo político-financeiro no nosso país” e com “a passividade dos portugueses face ao desmoronar paulatino da causa pública”. Ressalvando a universalidade das situações e destas figuras tão peculiares que são os “besugos”, o autor acha natural que possamos situar a acção em Portugal onde, afinal, reconhecemos facilmente à nossa volta esta “besuguice” de que fala o livro. Movido por uma quase revolta interior, espécie de desabafo, o livro “não nasce da inspiração e da transpiração que é a fórmula de quase todos os livros”, mas do perceber que “todos podemos e devemos exigir muito mais do País e de quem nos governa”. Assim, não é de espantar que “A Arte do Nada” se assuma como “um retrato muito mordaz, muito excessivo, muito cru”, de um certo Portugal “ultrapassado, que repudia a cultura, que se refastela na inveja, um Portugal das coisas extraordinárias, mas também do extra-ordinário, do reles, do vil”.

“Eu próprio também sou besugo” diz Sérgio Almeida, acrescentando ser isso “algo inerente à condição humana”. Esta afirmação permitiu lançar um olhar sobre outras camadas do livro, que não essa imediata, carregada, feita de exageros condensados na sátira. Evocando a máxima “Je suis besugo”, o autor convida a olharmo-nos do exterior e a encontrarmos aquilo que de mais reprovável possa haver em cada um de nós, corrigindo-o. Brincar com as palavras, fazer trocadilhos, jogar com os duplos sentidos é algo que encontramos com frequência na escrita de Sérgio Almeida e “A Arte do Nada” é disso um excelente exemplo. A leitura de um excerto do livro colocou em evidência este traço da escrita e levou o autor a admitir um grande amor às palavras, às quais chamou ”crianças grandes”, citando o saudoso Manuel António Pina. Antes de deixarmos para trás este seu mais recente livro, ficou ainda a revelação de que terá sido pensado como um livro para crianças, a escrita acabando por tomar outras direcções, “fluindo de forma prazerosa e sem limites”.

Admitindo encontrar na escrita “uma forma de extravasar o meu eu mais ácido, mais verrinoso”, mas também “um lado mais encantatório, mais onírico”, através da escrita para crianças ou da poesia, Sérgio Almeida foi convidado a revisitar dois dos seus livros anteriores, “Não Conto” e “Ema e a Estrela Carente”. Falar destes dois livros deu azo a reflectir sobre a riqueza da nossa língua e “no esforço de exigência para com o leitor” como forma de combater a insanidade crescente que nos rodeia. Sérgio Almeida sente que é importante que o escritor pugne para que “os livros não sejam o reflexo da banalidade em que estamos cada vez mais mergulhados” e isso é válido tanto num livro de ficção como na literatura infanto-juvenil. Daí que não seja de espantar a dimensão séria da proposta de leitura de “Ema ou a Estrela Carente”, com um vasto conjunto de apontamentos que aportam o interesse pelo saber e apelam ao conhecimento. Rejeitando confundir “livros infantis com livros infantilóides”, Sérgio Almeida realça a importância de ser exigente também na literatura para os mais novos, onde é frequente vermos a ilustração relegar o texto para um plano secundário, “a palavra metida lá pelo meio, quase como quem engole um xarope não muito agradável”.

Antes de abordar a poesia de Sérgio Almeida, o moderador lançou ao público o repto a que colocasse as suas questões e elas não tardaram. Da quase ausência de uma geografia precisa na sua obra (“situar-me num determinado sítio cria limites à minha imaginação”), à fluência da escrita (“considero-me um escritor da imaginação e por norma não faço pesquisa”), à escrita como “uma libertação dos constrangimentos que o jornalismo coloca” ou aos conselhos a quem pensa em aventurar-se na arte de escrever (“é fundamental ler, ler, ler, até sentirmos que temos uma voz própria”), de tudo um pouco se falou neste espaço mais livre e aberto. Quanto à poesia, Sérgio Almeida confessa “uma certa adoração pelos poetas, daí a minha dificuldade em assumir-me como tal” e classifica a relação como “esquiva”. “Há um maior desnudamento meu na poesia e menos nos contos onde a máscara está muito mais presente”, afirmou, para de seguida enunciar alguns poetas da sua predilecção: Manuel António Pina, Wislawa Szymborska e Alexandre O’Neill. Uma sessão de autógrafos fechou mais um excelente fim de tarde, mas antes disso Sérgio Almeida leu, em primeira mão, um excerto de “Dicas Para Uma Vida Longa”, um original a incluir num dos seus próximos livros. Dele, destacaria dois ou três “conselhos desabridos”: “Não durmas com estranhos; apresenta-te sempre primeiro”, “aspira ao mínimo mas, pelo sim pelo não, respira o máximo”, “rói as unhas quando tiveres medo; e quando estiveres liberto dele, também”, “exibe os dentes à vida mas não te esqueças de ir ao dentista” e ainda “não cobices a mulher do vizinho; a sua filha é muito mais jeitosa”.

[Fotos de António Jamba e João Macedo]

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