LIVRO: “Notas Sobre o Luto”,
de Chimamanda Ngozi Adichie
Texto original | “Notes on Grief”
Tradução | Tânia Ganho
Edição | Carmen Serrano
Ed. Publicações Dom Quixote, Maio de 2021
“Um dia, estou na casa de banho, completamente sozinha, e chamo o meu pai pela alcunha carinhosa com que o tratava - “o papá original” - e um breve manto de paz envolve-me. Demasiado breve. Sou uma pessoa pouco dada a lamechices, mas tenho a certeza deste momento recheado com a presença do meu pai. Se foi uma alucinação, então quero mais, mas não voltou a acontecer.”
Versão aumentada de um ensaio publicado por Chimamanda Ngozi Adichie na revista “New Yorker”, “Notas Sobre o Luto” retrata a dor da perda no que ela tem de mais fundo e amargo. Carregado de verdade, o livro reflecte a experiência da escritora de forma particularmente intensa, as emoções à flor da pele, os sentimentos em estado bruto, despojada das todas as couraças, sem sombra de retraimento em revelar-se nas suas pulsões mais íntimas, nos seus ímpetos mais agudos, na sua mais exaltada fúria. Pondo por palavras o sentir mais extremo, Adichie mostra-nos o quanto a ausência responde a um presente cujo sentido nos escapa. Nesse lugar sem nome, no deve e haver que só o definitivo põe em causa, a questão torna-se legítima: “Como é que as pessoas andam por aí no seu dia a dia normal depois de terem perdido um pai adorado?”
Ao mostrar-nos que uma grande parte do processo de luto se prende com a linguagem, com o fracasso da linguagem e a busca de linguagem, Chimamanda Ngozi Adichie estabelece laços fortes com o leitor, independentemente de este ter passado ou não por momentos tão traumatizantes. No seu testemunho há ensinamentos a retirar de como podemos ver e entender a pessoa enlutada, ao mesmo tempo que são propostas estratégias para falarmos com aqueles que vivem a dolorosa situação da perda. Só saberemos como faremos o luto quando o fizermos, mas entretanto temos a mão que nos estreita num abraço e nos prepara para algo que devemos ter como certo. As memórias de Adichie convocam as nossas memórias. A sua verdade será a nossa verdade. Também um dia escreveremos sobre o pai no passado sem conseguir acreditar que escrevemos sobre o pai no passado.
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