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sexta-feira, 4 de junho de 2021

CONCERTO: "Dino d'Santiago"



CONCERTO: Dino d’Santiago
Cine-Teatro de Estarreja
28 Mai 2021 | sex | 21:00


“Sofia pô más um prato na mesa pá mi,
pan pila kel katchupa sô sabi, pam bá paródia
oh Sofia
en ta sigui sabura ti manxi,
apollo g na si tempo dia flaba
ooh en ten sodadi, ooh ten sodadi!” 

A afirmação de que toda a energia, ritmo e força da música africana cabem no tempo de um concerto de pouco mais de uma hora parecerá, à primeira vista, uma impossibilidade. Mas só quem nunca viu um espectáculo de Dino d’Santiago, poderá pensar assim. Desta vez em Estarreja, perante uma sala meio-cheia — que o mesmo é dizer, com a lotação esgotada (!) —, o cantor de Quarteira voltou a provar que a sua música é de África feita, estendendo a nação kriola ao rincão português - “B.Leza e Noites Longas / e a Linha de Sintra / fala a língua da Cesária”. Com a pandemia a determinar condicionantes várias, em “tempo e modo”, Dino d’Santiago soube contornar a situação, imprimindo um ritmo alucinante ao concerto: encadeou as músicas umas nas outras e, quase sem tempo para retomar o fôlego, “despachou” a quase totalidade dos seus dois álbuns de originais - “Mundo Nôbu” (2018) e “Kriola” (2020) - e ainda dois ou três temas “de borla”. A plateia reagiu da única forma possível. De pé nos seus lugares, o corpo e a alma num frenesim, explodiu em festa e alegria. Há muito que todos ansiávamos por isto!

Secundado pelas extraordinárias vozes de Nayela Simões, Sol Lopes e Sofia Grácio, Dino d’Santiago fez questão de, através da sua música, exprimir as inquietações que continuamente afligem muitos indivíduos de origem africana, portugueses por direito próprio mas segregados por uma sociedade que insiste em manter vivos o hediondo do racismo e da xenofobia. Com poemas que nos dizem “pra quê negar assim o obvio / se o amor é que nos salva”, o cantor fez com que recordássemos que casos como o do estudante cabo-verdiano Luis Giovani Rodrigues ou do artista luso-guineense Bruno Candé, ainda tão pesados nos nossos corações, não foram mera ficção nem fruto do acaso. Por isso escutamos “ruspeta ser humano si krê cor eh diferenti! / ama tudu mundu amore eh eternamenti!” Ou “branco ku pretu um gerason di oru”, num convite à união e ao diálogo, à construção de caminhos comuns e de um mundu nôbu, “povo que lavas no rio” e “ken mostrabu es kaminhu longe” passeando de braço dado.

O concerto ficou marcado, tanto pela genialidade dos poemas e das músicas — as influências de Claudino Pereira, Kalaf Epalanga, Nelson Freitas, Djodje Almeida, Branko, Seiji, Toty Sa’Med e tantos outros nomes ilustres da música africana como uma forte evidência —, quanto pela energia e ritmo transbordantes a libertarem o público de dúvidas e constrangimentos, num quase regresso à normalidade, seja lá o que isso for. E ficou também marcado por um episódio com o seu quê de invulgar: um imprevisto com o som, cuja falha levou largos minutos a ser reparada. Dino d’Santiago não se deixou perturbar, chamou para a boca do palco as três vozes femininas e, a capella, a sala em absoluto silêncio, tornou tudo mais próximo ainda, mais íntimo, mais verdadeiro (o próprio cantor confessou-se impressionado com a intensidade do momento, com uma tão forte espiritualidade). Um momento que serviu, de forma inquestionavel, para provar a excelência da voz e evidenciar a pessoa extraordinária que é Dino d’Santiago. Ele há males que vêm por bem!

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