VISITA ORIENTADA: “Preencher Vazios”,
por Joana de Abreu
Maio do Azulejo 2021
Ovar, vários locais
22 mai 2021 | sab | 15:00
Com um leque de eventos culturais esparsos mas de notória valia e interesse, Ovar tem no Maio do Azulejo uma das suas mais estimulantes iniciativas. Assente numa programação rica e variada, o evento releva os valores materiais e imateriais do azulejo, a partir do qual abre diálogos com o próprio objecto cerâmico, estendendo-o a muitas outras áreas artísticas, da pintura à música, da arquitectura à fotografia. Neste contexto podemos incluir também a Arte Urbana, conceito marginal até há pouco mais de uma década atrás, mas que tem sabido ganhar a nossa admiração e conquistar o seu espaço graças à qualidade dos seus artistas e ao valor das suas propostas. Pois é de Arte Urbana que falarei neste apontamento, a propósito de uma visita orientada através das ruas da cidade na companhia de Joana de Abreu, ao encontro de um conjunto de peças inseridas no projecto “Preencher Vazios” e que a artista trouxe a Ovar, em vários workshops que envolveram a comunidade local.
Joana de Abreu começou a “desenhar” este seu projecto quando, em 2015, se viu confrontada com a necessidade de desenvolver um tema para a tese de mestrado em Arte e Design para o Espaço Público, na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto. A observação do património azulejar que ía desfilando ante os seus olhos pelas ruas da cidade, levou-a a perceber o inestimável valor que encerra, a riqueza das suas cores e padrões, as histórias que tão bem sabe contar. Mas também o estado de degradação generalizado de muitas fachadas, outrora belíssimas, vandalizadas e com muitas peças em falta. Bem no seu íntimo, a artista terá gritado “Eureka”, passando a fazer-se acompanhar, para além do lápis e do bloco de notas, de uma fita métrica. Encontrado o tema, importava agora intervir. Feito o levantamento, os azulejos ausentes foram “reconstruídos” em atelier, no respeito pelos formatos originais, em materiais privilegiando a madeira. A artista manteve os padrões mas optou por cores contrastantes. Acrescentou à obra um excerto de um poema, levou-a ao encontro do espaço vazio, montou-a… et voilà!
Em Ovar, a artista trabalhou de maneira sensivelmente diferente. O processo de criação artística dispensou o levantamento de fachadas danificadas e a consequente reposição de elementos. O recorte dos painéis foi fruto da imaginação e do gosto de Joana de Abreu. Júlio Dinis foi uma escolha natural para as mensagens, os painéis a proporem, eles próprios, um percurso dinisiano e a ampliarem o valor e o alcance das peças no seu conjunto. Afixadas em fachadas nuas, as obras interpelam, questionam, inquietam. Afirmam-se na paisagem, reconstroem-na. Chamam a atenção para o valor que encerra cada pequenino quadrado, para o quanto importa estimá-lo, preservá-lo. E, não menos importante, embelezam, dão cor e vida, cantam a quem passa, garridas e atrevidas. Como todas as coisas, a Arte Urbana é efémera. Na paisagem, sob chuva inclemente ou à torreira do sol, sabemos que as peças têm um tempo de vida curto. Vamos, pois, apreciá-las devidamente, desde já, como coisa nossa. São - também elas - património da Cidade Museu-Vivo do Azulejo.
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