LIVRO: “Sei Porque Canta o Pássaro na Gaiola”,
de Maya Angelou
Texto original | “I Know Why the Caged Bird Sings” (1969)
Tradução | Tânia Ganho
Posfácio | Diana V. Almeida
Ed. Antígona, Setembro de 2017
“Em seguida pôs-se a elogiar-nos. Contou o quanto enaltecera o facto de ‘um dos melhores jogadores de basquetebol da Universidade de Fisk ter encestado a sua primeira bola aqui mesmo, na Escola Profissional do Condado de Lafayette’. Os miúdos brancos iam poder tornar-se Galileus e Madames Curies e Edisons e Gaugains, e os nossos rapazes (as raparigas nem sequer eram incluídas nos planos) tentariam ser Jesse Owens e Joe Louises.”
Autobiografia de uma enorme coragem e honestidade, “Sei Porque Canta o Pássaro na Gaiola” é um convite à viagem aos Estados Unidos dos anos 30 e 40 do século passado, ao longo da qual nos é dada a ver a forma como as comunidades negras lidavam com o segregacionismo e a exclusão racial. Narrado na primeira pessoa, o livro escreve-se com a palavra verdade, a inocência de ser criança estilhaçada pela crueldade e iniquidade dos homens, o questionamento dos conflitos de raça e de género a penderem como uma dupla ameaça permanente sobre a vida da autora. Com as avós como referentes fundamentais, Maya Angelou vê crescer em si um conjunto de inquietações assentes em questões dicotómicas do tipo “homem-mulher”, “branco-negro”, “rico-pobre”, “norte-sul” e tantas outras, a partir das quais forja um compromisso pessoal com os ideais de justiça e liberdade.
Ao leitor não escapa a força que Maya Angelou coloca na sua escrita, ainda que essa tomada de consciência seja baseada numa sucessão de murros no estômago. Olhando nos olhos a desconfiança e o preconceito, a autora não se esquiva a falar de si, mesmo que o assunto toque no seu mais íntimo. Tal como uma moeda, cada situação narrada abre-se em duas faces opostas, o problema de mãos dadas com a solução. Seduzidos pela força de carácter de Maya Angelou, pela forma como constrói as suas ideias e as põe em prática - aos 16 anos, foi a primeira mulher negra revisora nos eléctricos de S. Francisco -, esquecemos facilmente que estamos perante uma criança, com as suas fragilidades e os seus medos, os seus desejos e fantasias. Uma criança de ontem que nos obriga a olhar para um tempo hoje, de tal forma o livro se mostra actual. Livros assim são de leitura obrigatória.
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