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terça-feira, 1 de junho de 2021

LIVRO: "Sei Porque Canta o Pássaro na Gaiola"



LIVRO: “Sei Porque Canta o Pássaro na Gaiola”,
de Maya Angelou
Texto original | I Know Why the Caged Bird Sings (1969)
Tradução | Tânia Ganho
Posfácio | Diana V. Almeida
Ed. Antígona, Setembro de 2017


“Em seguida pôs-se a elogiar-nos. Contou o quanto enaltecera o facto de ‘um dos melhores jogadores de basquetebol da Universidade de Fisk ter encestado a sua primeira bola aqui mesmo, na Escola Profissional do Condado de Lafayette’. Os miúdos brancos iam poder tornar-se Galileus e Madames Curies e Edisons e Gaugains, e os nossos rapazes (as raparigas nem sequer eram incluídas nos planos) tentariam ser Jesse Owens e Joe Louises.”

Escritora e activista americana nascida em St. Louis, Missouri, em 1928, Maya Angelou andou em bolandas nos seus primeiros anos de vida. Entregue, com três anos apenas, aos cuidados da avó paterna, foi numa pequena aldeia do Arkansas que começou a perceber o modo como a mulher negra podia existir no mundo. Desde muito cedo foi construindo, laboriosa e perseverantemente, uma personalidade de sobrevivente, acabando por se tornar numa figura fundamental da cultura afro-americana e da luta pelos direitos civis no seu país. Incentivada pelo seu grande amigo e escritor James Baldwin, aos 40 anos começou a escrever “Sei Porque Canta o Pássaro na Gaiola”, relato inspirador das suas memórias de infância e juventude, através do qual nos oferece o olhar de uma extraordinária criança sobre a violência inexplicável do mundo dos adultos e a crueldade do racismo.

Autobiografia de uma enorme coragem e honestidade, “Sei Porque Canta o Pássaro na Gaiola” é um convite à viagem aos Estados Unidos dos anos 30 e 40 do século passado, ao longo da qual nos é dada a ver a forma como as comunidades negras lidavam com o segregacionismo e a exclusão racial. Narrado na primeira pessoa, o livro escreve-se com a palavra verdade, a inocência de ser criança estilhaçada pela crueldade e iniquidade dos homens, o questionamento dos conflitos de raça e de género a penderem como uma dupla ameaça permanente sobre a vida da autora. Com as avós como referentes fundamentais, Maya Angelou vê crescer em si um conjunto de inquietações assentes em questões dicotómicas do tipo “homem-mulher”, “branco-negro”, “rico-pobre”, “norte-sul” e tantas outras, a partir das quais forja um compromisso pessoal com os ideais de justiça e liberdade.

Ao leitor não escapa a força que Maya Angelou coloca na sua escrita, ainda que essa tomada de consciência seja baseada numa sucessão de murros no estômago. Olhando nos olhos a desconfiança e o preconceito, a autora não se esquiva a falar de si, mesmo que o assunto toque no seu mais íntimo. Tal como uma moeda, cada situação narrada abre-se em duas faces opostas, o problema de mãos dadas com a solução. Seduzidos pela força de carácter de Maya Angelou, pela forma como constrói as suas ideias e as põe em prática - aos 16 anos, foi a primeira mulher negra revisora nos eléctricos de S. Francisco -, esquecemos facilmente que estamos perante uma criança, com as suas fragilidades e os seus medos, os seus desejos e fantasias. Uma criança de ontem que nos obriga a olhar para um tempo hoje, de tal forma o livro se mostra actual. Livros assim são de leitura obrigatória.

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