PERFORMANCE POÉTICA: “RUGE – Poemas e Canções”
Voz | Rodrigo Guedes de Carvalho, Daniela Onís
Teclado | Ruben Alves
Desenho de som | Nelson Carvalho
Desenho de luz | Luís Duarte
90 Minutos | Maiores de 16 anos
Cine-Teatro de Estarreja
08 Jan 2021 | sex | 21:00
“Era uma vez uma noite sobre o amor e tudo em volta. Era uma vez sobre a paixão e alguma revolta, sobre saudades e os rancores dos amores equivocados. Era uma vez sobre o mistério dos amores imortais. Os tais que dão nome ao amor. Esses que não acabam, mas também os que fogem da noite para o dia. E desse amor que havia. (...)”
Ao longo de quase hora e meia, com direito a “marchinha de Lisboa” já nos descontos, o público foi brindado com um conjunto de textos e poemas muito fortes e vivos, que não tiveram como não “tocar em feridas, ligar sirenes e mexer em botões”. Daniela Onís soube inquietar-nos ao interrogar-se: “Será que foi qualquer coisa que eu disse? Será que foi um gesto pequeno que falhou? Será porque eu não sei medir, nem sei pedir, finjo que estou de pedra e cal e vou fugir?”. Na mímica de “Rapidinha de Praia”, Rodrigo Guedes de Carvalho mostrou-se insinuante “de top e mini-saia”, dando a este “Ruge” um toque de burlesco irresistível. Ruben Alves guiou o espectáculo de forma firme mas contida, brilhando a grande altura, nomeadamente na interpretação de um tema seu, “Valsa Final”. E os três quiseram brindar-nos com os insultos de uma “primeira reunião de preparação do divórcio amigável”, com ou sem advogado, que viria a ter sequela mais violenta ainda, as palavras ferindo como facas.
“Ruge” foi isto e muito mais, ao falar “da infância e dos pais, de memórias bonitas e de animais”. Ao oferecer-nos momentos de enorme intensidade na leitura de um trecho de “A Casa Quieta”, livro de Rodrigo Guedes de Carvalho, de 2005. Ao cantar aquele amor tóxico que não deveríamos ter tido, o “está tudo bem” num gemido, quando o corpo verga e se sente “a alma partida, derretida, derrotada”. Foi também a nova emigração, os miúdos com canudo que se despedem dos pais nos aeroportos – “o que é que é isso de salário ao fim do mês? Quem sabe um dia talvez eu volte, meu amor” –, uma música de intervenção que José Mário Branco não desdenharia ter assinado. Ainda a saudade “quando é tormento, tanto tempo, eu sem riso, sem abraço, não sei que faço”; uma Maria “branquela, mulata do peito”, que dança e canta porque assim seus males espanta; poetas impuros, “alegres a serem perdedores natos e de cada vez que tentam que amam e não conseguem, é uma vez que amam, mais uma vez”. E a depressão, “todo este medo de perder e mais o medo de viver”, num dueto de enorme beleza e intensidade. Corajoso, decidido, verdadeiro, este é um espectáculo que nos agarra pelas vísceras, nos desatina, nos dá a provar um fogo bom, daquele que arde sem se ver.
[Foto: Hugo Ganelas | https://www.facebook.com/isabel.pinto.127]
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