LIVRO: “A Educação dos Gafanhotos”,
de David Machado
Edição | Maria do Rosário Pedreira
Ed. Publicações Dom Quixote, Fevereiro de 2020
“Às vezes perguntam-me onde é que eu estava no dia 11 de Setembro de 2001. Eu estava na Flórida, tinha passado a noite no carro ao lado do meu amigo Marco e ia a caminho de Key West para visitar a casa do Hemingway, acreditando que em breve seria livre.
Nenhuma dessas coisas veio a acontecer.”
Nesta aldeia a que chamamos mundo, cada vez mais pequenina por força das novas tecnologias e por aquilo a que damos o nome de progresso, querer conhecê-la de ponta a ponta é, hoje em dia, uma aspiração quase natural. No caso de David e Marco, dois amigos recém-licenciados, não será tanto um ponta a ponta mas mais um costa a costa, já que o seu projecto de aventura, descoberta e libertação, tem como destino os Estados Unidos. Com o Verão a despedir-se, entre Nova Iorque a Miami, somos convidados a sentar no banco de trás de um Ford Escort e a seguir estrada fora, ao encontro da América profunda. Embarcados numa espiral sem fim à vista, alimentada pela força da sua imaginação e capacidade de improvisação, os dois amigos acabam por “descer à terra” - e nós com eles - quando a realidade se impõe abruptamente, sob a forma de dois aviões colidindo com as torres gémeas.
Lançado estrada fora, entre o cliché turístico e a revelação mais surpreendente, “A Educação dos Gafanhotos” é um livro desempoeirado e muito divertido, que nos diz que é imperioso afastar o cinzentismo em que estamos mergulhados e dar mais cor às nossas vidas, mesmo que para isso tenhamos de correr riscos. David Machado volta a abrir mão do seu enorme talento e a tecer um conjunto de histórias que nos convidam à viagem e ao sonho, seja a ouvir jazz num bar do French Quarter, em Nova Orleães, de amarelo vestido em fila para visitar as Cataratas do Niagara ou confrontados com um jacaré de nome Wally à entrada do quarto de um Motel em Pensacola.
Embora o tom possa parecer demasiado ligeiro – aqui residindo, porventura, a sua maior fraqueza -, “A Educação dos Gafanhotos” oferece um ângulo de leitura extremamente interessante e que tem a ver com o exercício da escrita. Para lá da sua formação de base, Marco e David são amantes da boa literatura e aspiram, eles mesmos, a puderem tornar-se escritores. Tomando como modelos William Faulkner e Ernest Hemingway, os dois amigos aproveitam todas as oportunidades para se fazerem passar por quem não são, trazendo a ficção para o real, fazendo dos interlocutores as suas cobaias e dos bares, das estações de gasolina, dos motéis e das praças e ruas o seu laboratório. De tentativa em tentativa, entre o ensaio bem sucedido e a experiência frustrada, com um olho negro à mistura, o que David Machado nos diz é que não importa a viagem em si, mas a viagem depois da viagem.
de David Machado
Edição | Maria do Rosário Pedreira
Ed. Publicações Dom Quixote, Fevereiro de 2020
“Às vezes perguntam-me onde é que eu estava no dia 11 de Setembro de 2001. Eu estava na Flórida, tinha passado a noite no carro ao lado do meu amigo Marco e ia a caminho de Key West para visitar a casa do Hemingway, acreditando que em breve seria livre.
Nenhuma dessas coisas veio a acontecer.”
Nesta aldeia a que chamamos mundo, cada vez mais pequenina por força das novas tecnologias e por aquilo a que damos o nome de progresso, querer conhecê-la de ponta a ponta é, hoje em dia, uma aspiração quase natural. No caso de David e Marco, dois amigos recém-licenciados, não será tanto um ponta a ponta mas mais um costa a costa, já que o seu projecto de aventura, descoberta e libertação, tem como destino os Estados Unidos. Com o Verão a despedir-se, entre Nova Iorque a Miami, somos convidados a sentar no banco de trás de um Ford Escort e a seguir estrada fora, ao encontro da América profunda. Embarcados numa espiral sem fim à vista, alimentada pela força da sua imaginação e capacidade de improvisação, os dois amigos acabam por “descer à terra” - e nós com eles - quando a realidade se impõe abruptamente, sob a forma de dois aviões colidindo com as torres gémeas.
Lançado estrada fora, entre o cliché turístico e a revelação mais surpreendente, “A Educação dos Gafanhotos” é um livro desempoeirado e muito divertido, que nos diz que é imperioso afastar o cinzentismo em que estamos mergulhados e dar mais cor às nossas vidas, mesmo que para isso tenhamos de correr riscos. David Machado volta a abrir mão do seu enorme talento e a tecer um conjunto de histórias que nos convidam à viagem e ao sonho, seja a ouvir jazz num bar do French Quarter, em Nova Orleães, de amarelo vestido em fila para visitar as Cataratas do Niagara ou confrontados com um jacaré de nome Wally à entrada do quarto de um Motel em Pensacola.
Embora o tom possa parecer demasiado ligeiro – aqui residindo, porventura, a sua maior fraqueza -, “A Educação dos Gafanhotos” oferece um ângulo de leitura extremamente interessante e que tem a ver com o exercício da escrita. Para lá da sua formação de base, Marco e David são amantes da boa literatura e aspiram, eles mesmos, a puderem tornar-se escritores. Tomando como modelos William Faulkner e Ernest Hemingway, os dois amigos aproveitam todas as oportunidades para se fazerem passar por quem não são, trazendo a ficção para o real, fazendo dos interlocutores as suas cobaias e dos bares, das estações de gasolina, dos motéis e das praças e ruas o seu laboratório. De tentativa em tentativa, entre o ensaio bem sucedido e a experiência frustrada, com um olho negro à mistura, o que David Machado nos diz é que não importa a viagem em si, mas a viagem depois da viagem.
Sem comentários:
Enviar um comentário