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segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

LIVRO: "Um Muro no Meio do Caminho"



LIVRO: “Um Muro no Meio do Caminho”,
de Julieta Monginho
Ed. Porto Editora, Fevereiro de 2018


“Queria conhecê-los. Pisar o chão que pisaram à chegada. Reparar nas pedras que lhes empeçam os passos, tentar afastá-las. Procurar o caminho mais curto entre o que lhes é devido e o que está à sua espera.
Registar para que muitos mais reparem.
Descobrir palavras salvadoras.
Não desperdiçar um único minuto, não omitir um único gesto.
Caminhar entre distâncias, o périplo, o abraço.”

Se o tempo não fosse um bem tão precioso e a leitura não implicasse entrega e paixão, eleger um livro não seria um risco. Avesso a sinopses, desconhecendo praticamente tudo acerca da autora e da sua obra e apenas com a imagem de capa a estimular a minha curiosidade, foi assim que parti à descoberta de “Um Muro no Meio do Caminho” como o faço sempre: O coração desarmado, à espera de me surpreender, de me espantar, de me deixar afectar pelo que leio. Devo confessar, porém, que estava longe de imaginar que Julieta Monginho me iria confrontar com um relato emocionado das vivências de “J., uma entre muitos”, voluntária portuguesa num campo de refugiados na ilha de Chios, na Grécia, sublinhando os contornos mais sombrios dessa crise humanitária que mantém milhares de refugiados às portas da Europa, reféns de agendas políticas e de interesses refractários ao drama e à dor.

Apesar de ser este um assunto merecedor das minhas maiores preocupações, a nota de surpresa inicial deu rapidamente lugar à inquietação e à dúvida no que respeita à escolha do livro, sobretudo porque este é o género de leitura que exige um tempo e uma atenção “de qualidade”, ou seja, maior disponibilidade emocional e dedicação plena. Também uma maior condescendência, que isto de escrever com o coração está provado que raramente resulta em grande literatura. Certo é que as primeiras páginas pareciam confirmar os meus piores receios, muitas emoções à flor da pele, muita lágrima à espreita, o “cor de rosa” a dominar as histórias da “rapariga que desenhava sonhos”, da “rapariga grávida” e da “mulher que ficou só”. A autora haverá de emendar a mão a partir do momento em que desvia o foco dos refugiados, fazendo-o incidir sobre si própria e sobre aqueles que, como ela, estão ali em missão humanitária. Então, aquelas “pessoas encalhadas no pesado tempo que lhes coube” começam a ganhar espessura e tornam-se reais, como real se torna o abanão que cada página passa a acarretar.

Fazendo assentar a ficção em factos reais, Julieta Monginho revela-se eficaz na forma como passa a mensagem de uma Europa que, no melhor dos casos, vota os refugiados ao esquecimento e, no pior – cada vez mais vasto –, ao desprezo. Face à incerteza, totalmente vulneráveis, estas pessoas confrontam-se com uma insustentável falta de condições, serviços de saúde precários, alimentação inadequada, Organizações Não Governamentais manietadas na sua vocação auxiliadora e muita gente a lucrar com tudo isto, para vergonha de todos. É isto que, através de dez histórias de vida, a autora nos conta, ao mesmo tempo clamando pela aplicação dos instrumentos de direito internacional que assegurem a protecção dos refugiados e o direito à reunificação familiar. Talvez não possamos falar de grande literatura quando falamos de “Um Muro no Meio do Caminho”, mas há um dever de gratidão para com Julieta Monginho, pelo uso da palavra como arma de denúncia e combate. Vemos, ouvimos e lemos. Não podemos ignorar.

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