LIVRO: “Um Muro no Meio do
Caminho”,
de Julieta Monginho
Ed. Porto Editora, Fevereiro de 2018
“Queria conhecê-los. Pisar o chão
que pisaram à chegada. Reparar nas pedras que lhes empeçam os
passos, tentar afastá-las. Procurar o caminho mais curto entre o que
lhes é devido e o que está à sua espera.
Registar para que muitos mais reparem.
Descobrir palavras salvadoras.
Não desperdiçar um único minuto, não
omitir um único gesto.
Caminhar entre distâncias, o périplo,
o abraço.”
Se o tempo não fosse um bem tão
precioso e a leitura não implicasse entrega e paixão, eleger um
livro não seria um risco. Avesso a sinopses, desconhecendo
praticamente tudo acerca da autora e da sua obra e apenas com a
imagem de capa a estimular a minha curiosidade, foi assim que parti à
descoberta de “Um Muro no Meio do Caminho” como o faço sempre: O
coração desarmado, à espera de me surpreender, de me espantar, de
me deixar afectar pelo que leio. Devo confessar, porém, que estava
longe de imaginar que Julieta Monginho me iria confrontar com um
relato emocionado das vivências de “J., uma entre muitos”,
voluntária portuguesa num campo de refugiados na ilha de Chios, na
Grécia, sublinhando os contornos mais sombrios dessa crise
humanitária que mantém milhares de refugiados às portas da Europa,
reféns de agendas políticas e de interesses refractários ao drama
e à dor.
Apesar de ser este um assunto merecedor das minhas maiores preocupações, a nota de surpresa
inicial deu rapidamente lugar à inquietação e à dúvida no que
respeita à escolha do livro, sobretudo porque este é o género de
leitura que exige um tempo e uma atenção “de qualidade”, ou
seja, maior disponibilidade emocional e dedicação plena. Também
uma maior condescendência, que isto de escrever com o coração está
provado que raramente resulta em grande literatura. Certo é que as
primeiras páginas pareciam confirmar os meus piores receios, muitas
emoções à flor da pele, muita lágrima à espreita, o “cor de
rosa” a dominar as histórias da “rapariga que desenhava sonhos”,
da “rapariga grávida” e da “mulher que ficou só”. A autora haverá
de emendar a mão a partir do momento em que desvia o foco dos
refugiados, fazendo-o incidir sobre si própria e sobre aqueles que,
como ela, estão ali em missão humanitária. Então, aquelas
“pessoas encalhadas no pesado tempo que lhes coube” começam a
ganhar espessura e tornam-se reais, como real se torna o abanão que
cada página passa a acarretar.
Fazendo assentar a ficção em factos
reais, Julieta Monginho revela-se eficaz na forma como passa a
mensagem de uma Europa que, no melhor dos casos, vota os refugiados
ao esquecimento e, no pior – cada vez mais vasto –, ao desprezo.
Face à incerteza, totalmente vulneráveis, estas pessoas confrontam-se com uma insustentável falta de condições,
serviços de saúde precários, alimentação inadequada,
Organizações Não Governamentais manietadas na sua vocação
auxiliadora e muita gente a lucrar com tudo isto, para vergonha de
todos. É isto que, através de dez histórias de vida, a autora nos
conta, ao mesmo tempo clamando pela aplicação dos instrumentos de direito
internacional que assegurem a protecção dos refugiados e o direito
à reunificação familiar. Talvez não possamos falar de grande
literatura quando falamos de “Um Muro no Meio do Caminho”, mas
há um dever de gratidão para com Julieta Monginho, pelo uso da
palavra como arma de denúncia e combate. Vemos, ouvimos e lemos. Não
podemos ignorar.
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