CONCERTO: Alceu Valença &
Orquestra Ouro Preto | Valencianas II
Casa da Música - Sala Suggia20 Jan 2020 | seg | 21:30
À beira de completar 46 anos de carreira e com mais de 35 discos editados, o cantor e compositor pernambucano Alceu Valença regressou ao Porto e à Casa da Música para mais uma revisitação do seu vasto e riquíssimo cancioneiro. Com ele veio também a Orquestra Ouro Preto, sob a direcção do maestro Rodrigo Toffolo, acrescentando à voz do cantor a sobriedade e requinte duma clássica orquestra de cordas, mas também as sonoridades nordestinas saídas de instrumentos tão peculiares como a sanfona, a zabumba, a rabeca, os ferrinhos, o marimbau ou mesmo um vaso ou o testo de uma panela. O resultado cifrou-se em quase duas horas de excelente música, trazendo ao convívio com o público, sobretudo, trabalhos dos anos 70 e 80 e, com eles, o canto dos aboiadores, emboladores, violeiros e cantadores de feira, influências maiores assimiladas da cultura e da música do Brasil profundo.
O primeiro “round” pertenceu exclusivamente à Orquestra, interpretando uma alegre rapsódia que marcou o início de uma fascinante viagem musical pelo sertão. Alceu Valença subiu depois ao palco, começando por anunciar, com “Dia Branco”, que “eu vim de longe / atrás da brisa / com sete pedras / bordei a minha camisa”. A batida, ritmada e dolente, mostra a sua enorme força, remetendo para os cantos de trabalho e para as enormes plantações de algodão, à semelhança do que acontece com o Blues no Mississipi. Mas há uma clara diferença: Esse linguajar essencialmente lusitano, repleto de ressonâncias árabes e mediterrânicas, fazendo com que as duas margens deste vasto Atlântico se toquem na voz do cantor. Do xote ao forró, do coco à toada, aos ouvidos do público vão-se desfiando temas como “Na Primeira Manhã”, “Tesoura do Desejo”, “Solidão”, “Samba do Tempo”, “No Romper da Aurora” ou “Pelas Ruas Que Andei”, através dos seus sons e das suas letras se percebendo estarmos em presença de um engenhoso escritor de canções.
Com o ar saturado de cores e de alegria após a interpretação de mais três temas pela Orquestra, Alceu Valença carregou na sua vertente mais intimista e ofereceu “Eu Vou Fazer Você Voar”, o público a sublinhar com a voz as notas do refrão. Na sensualidade de “Como Dois Animais”, o amor ganha contornos explícitos com “uma moça bonita de olhar agateado” a deixar em pedaços o coração do cantor. Tal como em “Borboleta”, a boca encarnada da feiticeira, “um beijo e uma dentada sempre guardados pra mim”. “O P da Paixão” e “Tomara” colocaram um ponto final no alinhamento, com Valença a guardar para o “encore” o muito celebrado “Taxi Lunar” e, depois, a repetir-se com três temas anteriores - “Tesoura do Desejo”, “Borboleta” e “O P da Paixão” - e a ignorar os apelos do público que clamava por “Morena Tropicana” e “La Belle de Jour”. Tudo acabou em beleza, com “Anunciação” a levar a sala ao rubro, mas o amargo pela “desfeita” ficou. Sem isso - e com um pouco mais de acerto na articulação entre cantor, orquestra e produção -, tudo teria sido perfeito.
[Foto: Diário de Pernambuco | diariodepernambuco.com.br/]
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