CONCERTO: Carminho | “Maria”
Cine Teatro de Estarreja
18 Jan 2020 | sab | 21:30
Maria é nome de gente e é nome de
disco. É por aqui que gostaria de começar, por esse que é o último
trabalho de Carminho, editado em Novembro de 2018 e que, por essa
altura, acrescentei à minha colecção. Ao longo do ano que findou,
“Maria” foi presença assídua nos pontos de escuta habituais: o
leitor de audio lá de casa ou o do carro. Ouvi-o vezes sem conta e
aprendi a amá-lo como a nenhum outro antes dele, sorvendo a beleza
dos seus poemas na voz cada vez mais pura de Carminho, aquele ondear
sedutor no colo da guitarra, a cumplicidade única com
Luís Guerreiro a revelar-se por inteiro. Quando passava uma música
na rádio, cantava-a em voz alta, na esperança que mais e mais gente
a pudesse ouvir. Faltava escutar “Maria” ao vivo. Em boa hora o
CTE elegeu a fadista para abrir a mais nova série de “Concertos
Íntimos”, inscrevendo-se como o segundo dos catorze palcos que,
até Abril, a recebem em digressão nacional. O meu ingresso ajudou a
esgotar a sala em três tempos. As expectativas não podiam ser mais
elevadas. O espectáculo podia começar.
“Principio a cantar para quem tenha /
Fome de ouvir a música do vento... / Porém, sabeis que fiz, da
mágoa, lenha / E que das suas brasas me sustento?”. É sempre uma
emoção incrível, difícil de explicar, o arranque de um concerto
de Carminho (ainda hoje vivo amarrado ao “baque” de a ouvir a
cantar sem qualquer suporte instrumental, no começo do memorável
“Alma”, no Centro de Artes de Ovar). Com este “O Começo”
(Fado Bizarro), letra de Pedro Homem de Mello e música de Acácio
Gomes, assim foi uma vez mais. Depois o foco dilui-se, já
conseguimos abarcar o palco por inteiro e perceber em Luís
Guerreiro, Flávio César Cardoso, Pedro Geraldes e Tiago Maia um
suporte de eleição, sólido pulmão que sustenta a respiração da
cantora. Mas enquanto aquele primeiro momento vive, o que se vive é
único, os sentidos concentrados num ponto apenas, nesse inesgotável
gerador de energia e de emoções que é o coração de Carminho.
Nunca Carminho terá sido tão
verdadeira em palco. Desde logo porque, na letra ou na música (ou em
ambas), encontramos o seu “sangue, suor e lágrimas”, a sua
assinatura. Escuta-se “A Mulher Vento” em êxtase, tal como se
escuta “Estrela” ou esse texto sublime que é “Poeta”, o
talento da Carminho-escritora-de-poemas a aproximar-nos aqui do
grande António Aleixo. O mesmo poderia dizer de “Desengano” ou
“Se Vieres”, os seus poemas sobre a música do Fado Latino, de
Jaime Santos, e do Fado Santa Luzia, de Armando Machado,
respectivamente. Ou de “O Menino e a Cidade” e “As Rosas”,
ambos os temas com letra e música de Joana Espadinha mas transcendentes na voz de Carminho. Depois há todo um conjunto
de detalhes que aproximam cantora e público, uma espécie de
intimidade que se percebe no gesto de acariciar o pequenino ser que
cresce na sua (já respeitável) barriguinha, na forma como lembra
que “Maria é um bocadinho de nós”, como sussurra a uma criança
para lhe dizer que sim ou como pede para cantar “bom dia, amor”.
Intimista, especial e absolutamente único, assim foi o concerto
desta que é, do fado, a sua melhor voz, a sua maior alma.
[Foto: Ángel Medina G. / EPA |
observador.pt]
Sem comentários:
Enviar um comentário