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quarta-feira, 6 de novembro de 2019

LIVRO: "Sophia"



LIVRO: “Sophia”,
de Isabel Nery
Ed. A Esfera dos Livros, Maio de 2019


“Esta não é uma biografia autorizada. Esta não é uma biografia da que sempre foi princesa. Esta não é uma biografia para Sophia.
Esta é antes uma biografia sobre Sophia, uma demonstração de que a sua criação ganhou vida própria e não depende já exclusivamente das vontades da autora. Pertence aos leitores, aos portugueses – e ao mundo.”

Normalmente, é-me muito difícil encontrar as palavras certas para falar daquilo que um livro me oferece, quando o livro em questão é muito bom (talvez a expressão “ficar sem palavras” faça aqui algum sentido). “Sophia”, biografia não autorizada da poeta Sophia de Mello Breyner Andresen – que faria hoje cem anos, caso fosse viva -, é uma das raras excepções a esta regra deveras pessoal. Não é custoso verter em palavras um olhar repleto das mais belas imagens, fruto de uma escrita generosa e que acrescenta história, cultura e conhecimento ao leitor. O gozo que me deu descobrir (!) Sophia. O quanto intuí nos seus silêncios, o quanto vibrei com a coragem da sua escrita, o quanto me ri com algumas das suas tiradas lapidares, o quanto sofri com a sua dor.

Atravessando o século XX português, a história de Sophia de Mello Breyner Andresen confunde-se com a do próprio país e disso nos dá conta esta sua biografia. Desse longínquo 6 de Novembro de 1919, dia do nascimento da poeta, aos alvores do século XXI e à sua morte, sobrevinda em 02 de Julho de 2004, é ao seu encontro que vamos, numa viagem por mares nem sempre bonançosos. Através de olhos que poderiam ser os seus, espreitamos o ambiente depauperado da Nação na primeira República, a ascensão e consolidação do Estado Novo, as “mãos horrorosas dos fascistas”, a resistência feita palavra e presença; e, depois, “o dia inicial inteiro e limpo”, os trabalhos na Constituinte, os conturbados momentos do PREC com um sequestro pelo meio, até à defesa da cultura, do alto da bancada socialista ou ao Prémio Camões, em 1999, pela primeira vez outorgado a uma mulher.

Mas “Sophia” não é apenas História e não é apenas política. É igualmente uma viagem que une o Porto, Lisboa e Lagos, três vectores em solo pátrio, a uma Grécia pela qual se apaixonou, que passou a ver em tudo e que serviu de inspiração a uma significativa parte da sua obra. É também uma viagem ao encontro da sociedade aristocrática na qual nasceu e viveu, mas também da gente comum, como a empregada Luísa, autêntica “coluna de Hércules” da família, ou os pescadores que, de barco a remos, a levavam a visitar as grutas da Ponta da Piedade. É privar com alguns dos maiores vultos da nossa história recente, como Mário Soares ou Manuel Alegre, Jorge de Sena ou Graça Morais, Eduardo Lourenço ou José Saramago, entre tantos e tantos outros. É mergulhar no espaço conjugal de “Tareco e Xixa”, descobrir em Francisco Sousa Tavares o “pior condutor de automóveis do mundo” e, recuando gerações, conhecer o avô Thomaz de Mello Breyner, o médico das “moléstias vergonhosas”, ou ir ao início de tudo quando, numa manhã de verão de 1840, Jan Hinrich Andresen, com 14 anos apenas, chegou ao Porto para dar início a uma bela história. Tudo isto envolto na sua obra, sempre presente, dos contos infantis e dos textos de não ficção à poesia. Sobretudo à poesia.

As últimas palavras vão para Isabel Nery, autora de “Sophia”, uma biografia que faz jus ao nome e à relevância da poeta. Nela soube a autora encontrar o tom certo para oferecer ao leitor a novidade da descoberta, os factos que acrescentam conhecimento, a emoção que gera empatia, transformando a leitura destas mais de trezentas páginas num enorme prazer. Perante ela me curvo pela forma como, inspiradamente, soube trabalhar e montar um verdadeiro “puzzle” - de pesquisa, viagem e encontros feito – para o tornar límpido e puro, “livre como o vento e repetido / como o florir das ondas ordenadas”. Louvo ainda Isabel Nery pela sua honestidade moral e intelectual posta ao serviço da obra e da poeta, mas sobretudo dos leitores. A forma como a autora nos introduz “Sophia” é desarmante. Mais do que mostrar-nos ao que vamos, dá-nos a absoluta confiança, a certeza, desde a primeira linha, de estarmos perante uma biografia superlativa. “Numa altura em que tantas vezes parecemos moralmente dormentes, aprofundar o conhecimento sobre a autora e os seus escritos é o melhor tributo que lhe podemos deixar”, diz Isabel Nery. A vontade de ler mais Sophia, de saber mais de Sophia, cresceu em mim, reforçou-se, é agora imensa. A mensagem passou!

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