LIVRO: “Sophia”,
de Isabel Nery
Ed. A Esfera dos Livros, Maio de
2019
“Esta não é uma biografia
autorizada. Esta não é uma biografia da que sempre foi princesa.
Esta não é uma biografia para Sophia.
Esta é antes uma biografia sobre
Sophia, uma demonstração de que a sua criação ganhou vida própria
e não depende já exclusivamente das vontades da autora. Pertence
aos leitores, aos portugueses – e ao mundo.”
Normalmente, é-me muito difícil
encontrar as palavras certas para falar daquilo que um livro me
oferece, quando o livro em questão é muito bom (talvez a expressão
“ficar sem palavras” faça aqui algum sentido). “Sophia”,
biografia não autorizada da poeta Sophia de Mello Breyner Andresen –
que faria hoje cem anos, caso fosse viva -, é uma das raras
excepções a esta regra deveras pessoal. Não é custoso verter em
palavras um olhar repleto das mais belas imagens, fruto de uma
escrita generosa e que acrescenta história, cultura e conhecimento
ao leitor. O gozo que me deu descobrir (!) Sophia. O quanto intuí
nos seus silêncios, o quanto vibrei com a coragem da sua escrita, o
quanto me ri com algumas das suas tiradas lapidares, o quanto sofri
com a sua dor.
Atravessando o século XX português, a
história de Sophia de Mello Breyner Andresen confunde-se com a do
próprio país e disso nos dá conta esta sua biografia. Desse
longínquo 6 de Novembro de 1919, dia do nascimento da poeta, aos
alvores do século XXI e à sua morte, sobrevinda em 02 de Julho de
2004, é ao seu encontro que vamos, numa viagem por mares nem sempre
bonançosos. Através de olhos que poderiam ser os seus, espreitamos
o ambiente depauperado da Nação na primeira República, a ascensão
e consolidação do Estado Novo, as “mãos horrorosas dos
fascistas”, a resistência feita palavra e presença; e, depois, “o
dia inicial inteiro e limpo”, os trabalhos na Constituinte, os
conturbados momentos do PREC com um sequestro pelo meio, até à
defesa da cultura, do alto da bancada socialista ou ao Prémio
Camões, em 1999, pela primeira vez outorgado a uma mulher.
Mas “Sophia” não é apenas
História e não é apenas política. É igualmente uma viagem que
une o Porto, Lisboa e Lagos, três vectores em solo pátrio, a uma
Grécia pela qual se apaixonou, que passou a ver em tudo e que serviu
de inspiração a uma significativa parte da sua obra. É também uma
viagem ao encontro da sociedade aristocrática na qual nasceu e
viveu, mas também da gente comum, como a empregada Luísa, autêntica
“coluna de Hércules” da família, ou os pescadores que, de barco
a remos, a levavam a visitar as grutas da Ponta da Piedade. É privar
com alguns dos maiores vultos da nossa história recente, como Mário
Soares ou Manuel Alegre, Jorge de Sena ou Graça Morais, Eduardo
Lourenço ou José Saramago, entre tantos e tantos outros. É
mergulhar no espaço conjugal de “Tareco e Xixa”, descobrir em
Francisco Sousa Tavares o “pior condutor de automóveis do mundo”
e, recuando gerações, conhecer o avô Thomaz de Mello Breyner, o
médico das “moléstias vergonhosas”, ou ir ao início de tudo
quando, numa manhã de verão de 1840, Jan Hinrich Andresen, com 14
anos apenas, chegou ao Porto para dar início a uma bela história.
Tudo isto envolto na sua obra, sempre presente, dos contos infantis e
dos textos de não ficção à poesia. Sobretudo à poesia.
As últimas palavras vão para Isabel
Nery, autora de “Sophia”, uma biografia que faz jus ao nome e à
relevância da poeta. Nela soube a autora encontrar o tom certo para
oferecer ao leitor a novidade da descoberta, os factos que
acrescentam conhecimento, a emoção que gera
empatia, transformando a leitura destas mais de trezentas
páginas num enorme prazer. Perante ela me curvo pela forma como,
inspiradamente, soube trabalhar e montar um verdadeiro “puzzle”
- de pesquisa, viagem e encontros feito – para o tornar límpido e
puro, “livre como o vento e repetido / como o florir das ondas
ordenadas”. Louvo ainda Isabel Nery pela sua honestidade moral e
intelectual posta ao serviço da obra e da poeta, mas sobretudo dos
leitores. A forma como a autora nos introduz “Sophia” é
desarmante. Mais do que mostrar-nos ao que vamos, dá-nos a absoluta
confiança, a certeza, desde a primeira linha, de estarmos perante
uma biografia superlativa. “Numa altura em que tantas vezes
parecemos moralmente dormentes, aprofundar o conhecimento sobre a
autora e os seus escritos é o melhor tributo que lhe podemos
deixar”, diz Isabel Nery. A vontade de ler mais Sophia, de saber
mais de Sophia, cresceu em mim, reforçou-se, é agora imensa. A
mensagem passou!
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