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domingo, 10 de março de 2019

CONCERTO: Selma Uamusse



CONCERTO: Selma Uamusse
Casa da Criatividade
09 Mar 2019 | sab | 22:00


“Grata a Deus pelo 'Mati'. 'Mati' é uma homenagem Àquele que limpa, cura, salva. Àquele que me abençoou com vida e vida em abundância e colocou pessoas extraordinárias no meu caminho que me fizeram acreditar no quase impossível e que com os seus dons me ajudam tanto...”


O palco da Casa da Criatividade acolheu a moçambicana Selma Uamusse para a apresentação de “Mati”, o seu primeiro álbum a solo. Foi uma noite de festa para aqueles que se deixaram embalar nesta viagem a Moçambique - ao calor da sua música, à riqueza de dialectos como o chope ou o changana, à tradição de instrumentos como a mbira ou a timbila - e que acabaria por resultar numa viagem espiritual ao interior de cada um dos presentes, induzida pelo arrebatamento e pela forte pulsão magnética duma música invulgarmente exaltante e enérgica como a de Selma Uamusse.

Primeiro momento desta viagem, “Hope” serviu de introdução ao ritmo e à voz da cantora. O tema teve o condão de preparar o público para o que o esperava e precedeu o primeiro momento alto da noite, a cantora a apresentar-se - “algumas pessoas conhecem-me do rock'n'roll, por via dos Wraygunn, outras conhecem-me pelas coisas que tenho feito com o Rodrigo Leão ou por via do gospel ou da soul, outras não me conhecem de parte nenhuma e é essas que eu quero conquistar hoje” - e, logo de seguida, a convidar os presentes a desceram da plateia e a virem sentar-se no palco. Estavam criadas as condições ideais para o ambiente de intimidade, entrega e cumplicidade que viria a alastrar e a derramar-se ao longo do concerto.

Na linha do primeiro tema interpretado, “Mozambique” voltou a colocar em evidência as capacidades vocais da cantora, ao mesmo tempo chamando a atenção para a excelência dos músicos que a acompanharam em palco, Augusto Macedo nos teclados e no baixo eléctrico, Gonçalo Santuns na bateria e Nataniel Melo nas percussões, da Timbila ao Kissange, da Gongoma à Mbira. Seguiram-se momentos de enorme emoção com “Mati”, o tema que dá nome ao álbum e que significa “água” em Changana, um dos dialectos do Sul de Moçambique, que Selma Uamusse “colou” a “Malian”, um tema com uma letra poderosíssima de Maya Angelou que nos fala do carácter efémero da vida e do enorme silêncio que se instala em redor das almas que partem.

A energia subiu ao rubro com “Funkier Than A Mosquito's Tweeter”, com letra e música de Aline Bullock e que Selma Uamusse dedicou a Nina Simone, uma das suas grandes fontes de inspiração. Reforçado em número no palco, de pé e a dançar, o público foi ao mesmo tempo convidado a reflectir, a prestar atenção àquilo que lhe é dito e a “não dar por garantidos os facebooks e as televisões da vida”. A partir daqui foi só “manter esta onda de energia boa”, primeiro com o ritmo contagiante de “Ngono Utana Vuna”, de seguida com “Mónica” - “na kuxuva, na ku randza” - e finalmente com “Baila Maria”, uma letra de Selma Uamusse cantada em Changana, que juntou “duas moçambicanas em palco” e o público em redor a dançar a marrabenta.

Mas nem só de “Mati” viveu o concerto, Selma Uamusse a levantar a ponta do véu do seu próximo trabalho de originais e a presentear o público com um interventivo e irreverente “No Guns” e ainda com um imensamente harmonioso e belo “Song of Africa”, a cantora a misturar-se com o público, o som exaltante da Kulungwana a trespassar corações. Duas propostas que se retêm com entusiasmo enquanto não chega o novo disco, tal como se retêm três palavras deste concerto: “Mati”, a “água”, fonte de pureza e de vida que aqui nos foi oferecida em doses generosas; “Lirhandzo”, o “amor”, que se derramou da voz da cantora e penetrou no mais fundo de cada um dos presentes; e “Khanimambo”, o “obrigado” sincero e sentido a quem, com a sua voz e a sua presença, nos abraçou, nos contagiou, nos aproximou e nos amou. Uma e outra vez, Khanimambo!

[Foto: Vera Marmelo / v-miopia.blogspot.com]

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