CONCERTO: Selma Uamusse
Casa da Criatividade
09 Mar 2019 | sab | 22:00
“Grata a Deus pelo 'Mati'. 'Mati' é
uma homenagem Àquele que limpa, cura, salva. Àquele que me abençoou
com vida e vida em abundância e colocou pessoas extraordinárias no
meu caminho que me fizeram acreditar no quase impossível e que com
os seus dons me ajudam tanto...”
O palco da Casa da Criatividade acolheu
a moçambicana Selma Uamusse para a apresentação de “Mati”, o
seu primeiro álbum a solo. Foi uma noite de festa para aqueles que
se deixaram embalar nesta viagem a Moçambique - ao calor da sua
música, à riqueza de dialectos como o chope ou o changana, à
tradição de instrumentos como a mbira ou a timbila - e que acabaria
por resultar numa viagem espiritual ao interior de cada um dos
presentes, induzida pelo arrebatamento e pela forte pulsão magnética
duma música invulgarmente exaltante e enérgica como a de Selma Uamusse.
Primeiro momento desta viagem, “Hope”
serviu de introdução ao ritmo e à voz da cantora. O tema teve o condão
de preparar o público para o que o esperava e precedeu o primeiro
momento alto da noite, a cantora a apresentar-se - “algumas pessoas
conhecem-me do rock'n'roll, por via dos Wraygunn, outras conhecem-me
pelas coisas que tenho feito com o Rodrigo Leão ou por via do gospel
ou da soul, outras não me conhecem de parte nenhuma e é essas que
eu quero conquistar hoje” - e, logo de seguida, a convidar os
presentes a desceram da plateia e a virem sentar-se no palco. Estavam
criadas as condições ideais para o ambiente de intimidade, entrega
e cumplicidade que viria a alastrar e a derramar-se ao longo do concerto.
Na linha do primeiro tema interpretado,
“Mozambique” voltou a colocar em evidência as capacidades vocais
da cantora, ao mesmo tempo chamando a atenção para a excelência
dos músicos que a acompanharam em palco, Augusto Macedo nos teclados e
no baixo eléctrico, Gonçalo Santuns na bateria e Nataniel Melo nas
percussões, da Timbila ao Kissange, da Gongoma à Mbira. Seguiram-se
momentos de enorme emoção com “Mati”, o tema que dá nome ao
álbum e que significa “água” em Changana, um dos dialectos do
Sul de Moçambique, que Selma Uamusse “colou” a “Malian”, um
tema com uma letra poderosíssima de Maya Angelou que nos fala do
carácter efémero da vida e do enorme silêncio que se instala em redor das almas que partem.
A energia subiu ao rubro com “Funkier
Than A Mosquito's Tweeter”, com letra e música de Aline Bullock e
que Selma Uamusse dedicou a Nina Simone, uma das suas grandes fontes
de inspiração. Reforçado em número no palco, de pé e a dançar,
o público foi ao mesmo tempo convidado a reflectir, a prestar atenção àquilo que lhe
é dito e a “não dar por garantidos os facebooks e as televisões
da vida”. A partir daqui foi só “manter esta onda de energia
boa”, primeiro com o ritmo contagiante de “Ngono Utana Vuna”,
de seguida com “Mónica” - “na kuxuva, na ku randza” - e
finalmente com “Baila Maria”, uma letra de Selma Uamusse cantada
em Changana, que juntou “duas moçambicanas em palco” e o público em redor a dançar a marrabenta.
Mas nem só de “Mati” viveu o
concerto, Selma Uamusse a levantar a ponta do véu do seu próximo
trabalho de originais e a presentear o público com um interventivo e
irreverente “No Guns” e ainda com um imensamente harmonioso e
belo “Song of Africa”, a cantora a misturar-se com o público, o
som exaltante da Kulungwana a trespassar corações. Duas propostas
que se retêm com entusiasmo enquanto não chega o novo disco, tal
como se retêm três palavras deste concerto: “Mati”, a “água”,
fonte de pureza e de vida que aqui nos foi oferecida em doses
generosas; “Lirhandzo”, o “amor”, que se derramou da voz da
cantora e penetrou no mais fundo de cada um dos presentes; e
“Khanimambo”, o “obrigado” sincero e sentido a quem, com a
sua voz e a sua presença, nos abraçou, nos contagiou, nos aproximou
e nos amou. Uma e outra vez, Khanimambo!
[Foto: Vera Marmelo /
v-miopia.blogspot.com]
Sem comentários:
Enviar um comentário