LIVRO: “As Velhas”,
de Hugo Mezena
Ed. Editorial Planeta, Janeiro de 2019
Entre as muitas e boas novidades
editoriais neste início de ano, é com prazer que se abraça a
leitura de “As Velhas”. Segundo livro de Hugo Mezena, depois do
muito promissor “Gente Séria”, estamos aqui perante um conjunto
de vinte e dois contos que nos oferecem histórias da terceira idade,
curiosamente incidindo apenas e só sobre mulheres, nas suas relações
de vida com aqueles que lhes são mais próximos. São relatos de
quem percebe que o ascendente que mantinha em relação aos outros é
agora coisa do passado, a dependência a instalar-se aos poucos e com
ela essa sensação de estorvo, de fardo, que se vai insinuando a
cada dia que passa.
Um dos grandes trunfos de “As Velhas”
é a sua verdade. Hugo Mezena não precisa de grandes enredos para
entrar na vida da Dona Regina, da Dona Josefa ou da Dona Matilde pelo seu lado mais grave, seja o nome dos
netos que importa lembrar ou os medicamentos com hora certa para
tomar, sejam os cuidados a ter com gente que não se conhece, a
dificuldade em encontrar o caminho de regresso a casa ou a sempiterna
e detestável sopa de feijão. Mas não se pense que estas velhas
são, todas elas, modelos de educação, conformismo e submissão.
Aqui se encontram também aquelas que estão sempre prontas a fazer
orelhas moucas a conselhos e recomendações ou a levar por diante os
seus projectos, por mais improváveis que possam parecer, sabendo-se
como é sabido que nada há de mais apetecível do que o fruto
proibido, mesmo aos 80 ou 90 anos. Sobretudo aos 80 ou 90 anos.
A tensão que se instala desde o início
de cada conto, aliada a uma enorme ternura, a um refinado toque de
humor e à sinceridade e transparência das narrativas, faz com que o
leitor facilmente se reveja ou projecte em palavras e gestos, aqui
amáveis e delicados, além inquietos ou carregados de amargura. Não
é difícil encontrar pontos de contacto entre a realidade de cada
uma das personagens e a nossa própria realidade, de tal forma Hugo Mezena
usa com mestria todo um conjunto de significados e de códigos que,
na sua universalidade, convocam momentos e situações alojadas à esquina da memória. Numa
sociedade em permanente mutação, cada vez mais egoísta e menos
sensível a problemáticas como as da velhice, “As Velhas” pode
ser um excelente ponto de partida para uma cuidada e atenta reflexão. Na certeza de que é para velhos que todos caminhamos!
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