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sábado, 9 de março de 2019

LIVRO: "As Velhas"



LIVRO: “As Velhas”,
de Hugo Mezena
Ed. Editorial Planeta, Janeiro de 2019


Entre as muitas e boas novidades editoriais neste início de ano, é com prazer que se abraça a leitura de “As Velhas”. Segundo livro de Hugo Mezena, depois do muito promissor “Gente Séria”, estamos aqui perante um conjunto de vinte e dois contos que nos oferecem histórias da terceira idade, curiosamente incidindo apenas e só sobre mulheres, nas suas relações de vida com aqueles que lhes são mais próximos. São relatos de quem percebe que o ascendente que mantinha em relação aos outros é agora coisa do passado, a dependência a instalar-se aos poucos e com ela essa sensação de estorvo, de fardo, que se vai insinuando a cada dia que passa.

Um dos grandes trunfos de “As Velhas” é a sua verdade. Hugo Mezena não precisa de grandes enredos para entrar na vida da Dona Regina, da Dona Josefa ou da Dona Matilde pelo seu lado mais grave, seja o nome dos netos que importa lembrar ou os medicamentos com hora certa para tomar, sejam os cuidados a ter com gente que não se conhece, a dificuldade em encontrar o caminho de regresso a casa ou a sempiterna e detestável sopa de feijão. Mas não se pense que estas velhas são, todas elas, modelos de educação, conformismo e submissão. Aqui se encontram também aquelas que estão sempre prontas a fazer orelhas moucas a conselhos e recomendações ou a levar por diante os seus projectos, por mais improváveis que possam parecer, sabendo-se como é sabido que nada há de mais apetecível do que o fruto proibido, mesmo aos 80 ou 90 anos. Sobretudo aos 80 ou 90 anos.

A tensão que se instala desde o início de cada conto, aliada a uma enorme ternura, a um refinado toque de humor e à sinceridade e transparência das narrativas, faz com que o leitor facilmente se reveja ou projecte em palavras e gestos, aqui amáveis e delicados, além inquietos ou carregados de amargura. Não é difícil encontrar pontos de contacto entre a realidade de cada uma das personagens e a nossa própria realidade, de tal forma Hugo Mezena usa com mestria todo um conjunto de significados e de códigos que, na sua universalidade, convocam momentos e situações alojadas à esquina da memória. Numa sociedade em permanente mutação, cada vez mais egoísta e menos sensível a problemáticas como as da velhice, “As Velhas” pode ser um excelente ponto de partida para uma cuidada e atenta reflexão. Na certeza de que é para velhos que todos caminhamos!

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