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sexta-feira, 8 de março de 2019

TEATRO: "Os 120 Dias de Sodoma"



TEATRO: “Os 120 Dias de Sodoma”
Texto e encenação | Milo Rau
Cenografia e figurinos | Anton Lukas
Video | Kevin Graber
Dramaturgia | Gwendolyne Melchinger
Interpretação | Noha Badir, Remo Beuggert, Gianni Blumer, Matthias Brücker, Nikolai Gralak, Matthias Grandjean, Julia Häusermann, Sara Hess, Robert Hunger-Bühler, Dagna Litzenberger Vinet, Michael Neuenschwander, Matthias Neukirch, Tiziana Pagliaro, Nora Tosconi, Fabienne Villiger
Produção | Schauspielhaus Zürich – Theater Hora
Rivoli – Teatro Municipal do Porto
07 Mar 2019 | qui | 21:00


Como é que se transforma aquele que é, seguramente, um dos mais controversos filmes da história do cinema, num espectáculo de palco cujo elenco inclui actores com Trissomia 21? Esta questão terá aflorado, de forma recorrente, as mentes dos espectadores que, numa noite chuvosa e fria, rumaram ao Rivoli para a estreia em Portugal de “Os 120 Dias de Sodoma”. Por detrás desta produção, o nome de Milo Rau levantava, igualmente, muitas interrogações, sobretudo depois da polémica em torno do seu trabalho anterior, “Five Easy Pieces”, encenado em vários países e sujeito a censura devido ao uso de crianças no papel de actores que representam os crimes do pedófilo Marc Dutroux.

Tendo como ponto de partida o filme de Pasolini, “Saló, ou os 120 Dias de Sodoma”, Milo Rau prossegue na busca do que pode ou não ser representável e suportável em palco. Interpretando, com bastante liberdade, o trabalho de Pasolini – por sua vez inspirado no romance do Marquês de Sade –, o encenador abraça a representação explícita do poder sexual e da violência para nos dar um diagnóstico actualizado duma sociedade onde o consumismo, a normalização do excesso e a constante optimização dos seres humanos são cada vez mais a regra. Profundamente perturbador, o monólogo que coloca em paralelo a eutanásia no regime nazi e a interrupção voluntária da gravidez nos nossos dias, é um verdadeiro murro no estômago do público.

Numa sociedade moderna, a oscilar entre o hedonismo e a desgraça, Milo Rau atira-nos para diante dos olhos um teatro que obriga a pensar em questões fundamentais como as relações de poder, o significado do voyeurismo, como proteger a dignidade da vida, os conceitos de normalidade ou os limites da dor. Fá-lo com enorme ternura, os actores perfeitamente cúmplices numa “farsa” que teima em ser levada às últimas consequências, o público dividido entre a mentira e a verdade, entre a “máscara” por detrás da qual se escondem os actores e esses mesmos actores que dispensam a máscara, porque sabem estar sem ela, no palco como na vida. Inquietante e atraente, estimulante e perturbador, “Os 120 Dias de Sodoma” é uma peça que importa ver com a necessária proximidade e sobre a qual se impõe uma cuidada reflexão.

[Foto: Stefan Bläske / hora.ch]

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