CONCERTO: “O Amor é Cego e Vê”,
de Vitorino Salomé
Centro de Arte de Ovar
01 Jun 2018 | sex | 22:00
Quando a poesia e o intimismo se juntam
ao virtuosismo no piano e na voz, isso só pode resultar em momentos
únicos de puro deleite. Foi o que aconteceu na noite da passada
sexta feira, num concerto maravilhoso oferecido por Vitorino Salomé
ao público ovarense e que o cantautor alentejano intitulou de “O
Amor é Cego e Vê”. Numa sala praticamente lotada, Vitorino
fez-se acompanhar ao piano por dois nomes que dispensam
apresentações, Filipe Raposo e João Paulo Esteves da Silva,
revisitando algumas músicas de eleição dos seus mais de quarenta anos de carreira, não
necessariamente as mais conhecidas do grande público. Com este
espectáculo, estreado no Teatro da Trindade em Outubro do ano
passado, Vitorino ensaiou pela primeira vez um novo formato em palco,
pondo em destaque a extraordinária riqueza das letras, conferindo às
músicas uma beleza extrema e criando um envolvimento único com o
público fundado na mais pura emoção.
“Tango do Marido Infiel Numa Pensão
do Beato” e “Fado da Prostituta da Rua de Santo António da
Glória”, duas canções escritas por António Lobo Antunes e
incluídas no álbum “E Eu Que me Comovo Por Tudo e Por Nada”
(2006), abriram da melhor forma o concerto, seguindo-se “Fado
Triste”, “Corto Maltese” e “Fado Adeus”, um poema escrito
para a voz de Carminho, “diz-me onde anda a minha alma já sem cor
/ onde estão os dias claros, tudo em flor?”. Mas este foi também
um concerto de homenagens que teve início no poeta António José
Forte, com “Uma Faca nos Dentes”, prosseguiu com Zeca Afonso e
“Que Amor não me Engana” e desaguou num dos mais belos sonetos
de Manuel Alegre, imortalizado na música e na voz de Adriano Correia de Oliveira,
“E Alegre Se Fez Triste”.
Antes de chegarmos a Tomaz Alcaide e a
“O Amor é Cego e Vê” (que os mais velhos recordarão da banda sonora do filme
“Camões”, de Leitão de Barros e os não tão velhos da voz de
Eugénia Melo e Castro, do seu álbum com o mesmo nome, de 1990), tempo para “Porta de Damasco” e “Traz
a Água e o Vinho”, poemas da autoria de Vitorino, o primeiro com
música de João Paulo Esteves da Silva e o segundo de Filipe Raposo.
Com “Vingança”, de Lupicínio Rodrigues - “Eu gostei tanto /
Tanto quando me contaram / Que a encontraram / Bebendo e Chorando /
Na mesa de um bar” -, Vitorino fundiu samba e fado num dos momentos
fundamentais do concerto. Seguiu-se “Vendaval”, um dos grandes
sucessos do “Sinatra português”, Tony de Matos, entretanto recuperado por Sérgio Godinho no seu álbum “Caríssimas Canções” (2013),
chegando, enfim, ao segundo grande momento de homenagens da noite,
primeiro a Joni Mitchell com “Answer me My Love” e depois ao
enorme Jacques Brel com “La Chanson des Vieux Amants”, “Plus
rien ne ressemblait à rien / Tu avais perdu le goût de l'eau / Et
moi celui de la conquête”.
À beirinha do fim, Vitorino juntou o
castelhano às canções em português, inglês e francês,
interpretando “El Dia Que Me Quieras”, um clássico absoluto de
Carlos Gardel, aqui numa adaptação de António Lobo Antunes e do
próprio Vitorino Salomé. Colocando um ponto final no alinhamento do
concerto, o cantor foi ao seu primeiro álbum de originais, “Semear
Salsa ao Reguinho” (1975), resgatar “Vou-me Embora, Vou Partir”,
com o público na sala a acompanhar a letra “(...) vou
partir mas tenho esperança / de correr o mundo inteiro, quero ir /
quero ver e conhecer rosa branca / e a vida do marinheiro sem
dormir”. Já no “encore”, Vitorino cantou “A Queda do
Império”, do álbum “Sul” (2006), para regressar em seguida a Zeca Afonso e
fechar o concerto com “Canto Moço”, canção intemporal, vozes e
corações clamando “Onde há sempre uma boa estrela / Noite e dia
ao romper da aurora”. Sublime!
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