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domingo, 3 de junho de 2018

CONCERTO: "O Amor é Cego e Vê"



CONCERTO: “O Amor é Cego e Vê”,
de Vitorino Salomé
Centro de Arte de Ovar
01 Jun 2018 | sex | 22:00


Quando a poesia e o intimismo se juntam ao virtuosismo no piano e na voz, isso só pode resultar em momentos únicos de puro deleite. Foi o que aconteceu na noite da passada sexta feira, num concerto maravilhoso oferecido por Vitorino Salomé ao público ovarense e que o cantautor alentejano intitulou de “O Amor é Cego e Vê”. Numa sala praticamente lotada, Vitorino fez-se acompanhar ao piano por dois nomes que dispensam apresentações, Filipe Raposo e João Paulo Esteves da Silva, revisitando algumas músicas de eleição dos seus mais de quarenta anos de carreira, não necessariamente as mais conhecidas do grande público. Com este espectáculo, estreado no Teatro da Trindade em Outubro do ano passado, Vitorino ensaiou pela primeira vez um novo formato em palco, pondo em destaque a extraordinária riqueza das letras, conferindo às músicas uma beleza extrema e criando um envolvimento único com o público fundado na mais pura emoção.

“Tango do Marido Infiel Numa Pensão do Beato” e “Fado da Prostituta da Rua de Santo António da Glória”, duas canções escritas por António Lobo Antunes e incluídas no álbum “E Eu Que me Comovo Por Tudo e Por Nada” (2006), abriram da melhor forma o concerto, seguindo-se “Fado Triste”, “Corto Maltese” e “Fado Adeus”, um poema escrito para a voz de Carminho, “diz-me onde anda a minha alma já sem cor / onde estão os dias claros, tudo em flor?”. Mas este foi também um concerto de homenagens que teve início no poeta António José Forte, com “Uma Faca nos Dentes”, prosseguiu com Zeca Afonso e “Que Amor não me Engana” e desaguou num dos mais belos sonetos de Manuel Alegre, imortalizado na música e na voz de Adriano Correia de Oliveira, “E Alegre Se Fez Triste”.

Antes de chegarmos a Tomaz Alcaide e a “O Amor é Cego e Vê” (que os mais velhos recordarão da banda sonora do filme “Camões”, de Leitão de Barros e os não tão velhos da voz de Eugénia Melo e Castro, do seu álbum com o mesmo nome, de 1990), tempo para “Porta de Damasco” e “Traz a Água e o Vinho”, poemas da autoria de Vitorino, o primeiro com música de João Paulo Esteves da Silva e o segundo de Filipe Raposo. Com “Vingança”, de Lupicínio Rodrigues - “Eu gostei tanto / Tanto quando me contaram / Que a encontraram / Bebendo e Chorando / Na mesa de um bar” -, Vitorino fundiu samba e fado num dos momentos fundamentais do concerto. Seguiu-se “Vendaval”, um dos grandes sucessos do “Sinatra português”, Tony de Matos, entretanto recuperado por Sérgio Godinho no seu álbum “Caríssimas Canções” (2013), chegando, enfim, ao segundo grande momento de homenagens da noite, primeiro a Joni Mitchell com “Answer me My Love” e depois ao enorme Jacques Brel com “La Chanson des Vieux Amants”, “Plus rien ne ressemblait à rien / Tu avais perdu le goût de l'eau / Et moi celui de la conquête”.

À beirinha do fim, Vitorino juntou o castelhano às canções em português, inglês e francês, interpretando “El Dia Que Me Quieras”, um clássico absoluto de Carlos Gardel, aqui numa adaptação de António Lobo Antunes e do próprio Vitorino Salomé. Colocando um ponto final no alinhamento do concerto, o cantor foi ao seu primeiro álbum de originais, “Semear Salsa ao Reguinho” (1975), resgatar “Vou-me Embora, Vou Partir”, com o público na sala a acompanhar a letra “(...) vou partir mas tenho esperança / de correr o mundo inteiro, quero ir / quero ver e conhecer rosa branca / e a vida do marinheiro sem dormir”. Já no “encore”, Vitorino cantou “A Queda do Império”, do álbum “Sul” (2006), para regressar em seguida a Zeca Afonso e fechar o concerto com “Canto Moço”, canção intemporal, vozes e corações clamando “Onde há sempre uma boa estrela / Noite e dia ao romper da aurora”. Sublime!

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