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segunda-feira, 12 de fevereiro de 2024

EXPOSIÇÃO: "Plug-In"



EXPOSIÇÃO: “Plug-In”,
de Joana Vasconcelos
Curadoria | João Pinharanda
MAAT - Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia
28 Set 2023 > 08 Abr 2024


Joana Vasconcelos foi a primeira artista nomeada para o Prémio Novos Artistas Fundação EDP em 2000. Passadas quinze edições, esse prémio provou ser um momento de revelação de alguns dos mais significativos nomes da cena artística nacional. Naquela que pode ser a mais impressionante exposição da artista até à data, “Plug-In” é mais uma etapa desta relação, mostrando no MAAT um conjunto de trabalhos inéditos entre nós ou há muitos anos não vistos, que têm em comum o facto de serem peças mecânicas e/ou luminosas, justificando assim o título unificador escolhido. Nas peças expostas encontramos os traços iniciais de irreverência de Joana Vasconcelos (nos temas, formas, matérias e métodos de trabalho): um olhar irónico, humorado e critico sobre as coisas do mundo e a natureza dessas coisas. O que a artista faz com as coisas é roubá-las ao quotidiano, oferecendo-lhes uma outra dimensão. O que é pobre faz-se rico, como nos contos de fadas, e o que é rico explode em excessos que quebram as fronteiras do plausível e da razoabilidade.

Um bom exemplo disso é a peça “Árvore da Vida”, inspirada na escultura de Apolo e Daphne, de Gian Lorenzo Bernini. Um trabalho monumental, surgido durante o confinamento devido à pandemia de Covid-19 e que partiu do pedido da artista aos artesãos que com ela trabalham para que se ocupassem da produção de folhas. São 140.000, no total, todas bordadas à mão, assentes em 354 ramos que dão forma a uma árvore com mais de 13 metros de altura. Criação site-specific para a Sainte-Chapelle de Vincennes, em Paris, a obra reforça a verticalidade do vínculo entre terra e céu, mundano e espiritual. Adaptada agora ao espaço do MAAT, prossegue o diálogo com as especificidades da arquitetura, ao mesmo tempo que combina perícia manual e eletricidade, estabelecendo na perfeição a ligação entre “arte e tecnologia”.

Uma das peças inéditas é “Drag Race”, um Porsche 911 Targa Carrera decorado ao estilo inimitável de Joana Vasconcelos. A artista inspirou-se em visitas ao Mosteiro de Tibães, em Braga, conhecido como o maior expoente de motivos marinhos em talha dourada de todo o país, e ao Museu dos Coches, nas proximidades, em Lisboa. Daí resulta uma peça que, além de ser a expressão do poder áulico e excessivo, acaba por se situar num universo de transgressão, fantasia e festa melancólica. Também em exposição está “War Games”, de 2011, um clássico Morris Oxford oferecido a Joana Vasconcelos para praticar as suas capacidades de condução e que a artista encheu com centenas de peluches e outros animais mecânicos, cobrindo o exterior de réplicas de armas de fogo. A obra evoca a cadeia de violência global a que as crianças não são imunes e funciona como um libelo pacifista. “Strangers in the Night”, de 2000, ouve-se antes de ser visto. A obra emite em contínuo uma canção de Sinatra e fala-nos de carros rodando na noite e de homens procurando os amores baratos e fortuitos de uma qualquer mulher, resultando num comentário sobre o lado muitas vezes obsceno da vida nocturna.

Originalmente encomendado para o resort MGM Macau, “Valkyrie” ocupa um espaço aberto da ampla galeria e é deslumbrante na infinidade de soluções cénicas e artísticas que encerra, bem como na forma como se dá a ver, a enorme estrutura oferecendo-se à observação as partir dos mais variados pontos de vista. Uma solução que dá sentido à metáfora dos tentáculos do polvo envolvendo o espaço e os seus ocupantes. A surpresa e fascínio desta exposição prolonga-se para o espaço exterior com duas obras igualmente icónicas. “I’ll Be Your Mirror #2” é uma peça constituída por 510 espelhos de mão ao lado de 255 molduras de bronze barroco com a forma de uma colossal máscara veneziana. Uma máscara que mostra mais do que esconde, uma peça arrebatada, fútil e festiva que desmonta o cinismo socialmente útil de todas as máscaras. “Solitário #1” é um gigantesco anel composto por 110 jantes de automóvel e de 1449 copos de whisky. A ostentação simbólica de jóia tão especial fala-nos de luxo e solidão. A solidão e a afirmação da individualidade perante a sociedade. Mas, colocado no exterior do Museu, este anel procura afinal uma partilha: é oferecido a quem passa, como aliança da artista, da sua arte, com os seus públicos.

domingo, 10 de março de 2019

EXPOSIÇÃO: "I'm Your Mirror"


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EXPOSIÇÃO: “I’m Your Mirror”,
de Joana Vasconcelos
Museu e Parque de Serralves
19 Fev > 24 Jun 2019


Com a honestidade intelectual que lhe é reconhecida, Helena Mendes Pereira publicou um texto na sua página pessoal no facebook intitulado “O que é a arte?”. Nele, com enorme clareza, desenvolve uma reflexão pessoal sobre o fenómeno da arte contemporânea e, entre outras coisas, sobre quem dita “o que é e o que não é”, para concluir que “o público, que é soberano, exerce o poder do gosto e da intuição e (...) poderá simplesmente dizer 'não gosto!' ”. Já no espaço de comentários, um leitor responde à questão colocada por Helena Mendes Pereira numa perspectiva deveras interessante: “O que é a arte? Penso que será o que fica depois de extrair tudo aquilo que não é...”.

Mais do que exaltar o valor da reflexão desta curadora e investigadora, é no comentário que me detenho, fazendo dele um ponto de partida para a minha apreciação crítica à exposição de Joana Vasconcelos, patente por estes dias no Museu e Parque de Serralves. De notar que este é um espaço artístico que não me canso de visitar, que constantemente põe à prova o meu espírito crítico, que me tem ajudado a crescer naquilo que é a minha concepção da arte em variadíssimos vectores e que me tem trazido enormes surpresas, ainda que nem sempre as mais agradáveis. Mas que, neste caso, me ofereceu uma das mais extraordinárias experiências no campo da arte de que tenho memória. É, pois, com enorme entusiasmo que falo de “I'm Your Mirror”, porque “o que fica depois de extrair tudo aquilo que não é” é, seguramente, mais do que alguma vez terá ficado até hoje.

Há no trabalho da artista um forte vínculo de conceptualidade que se descobre na forma como se apropria da cultura popular portuguesa e dela parte para a criação das suas peças, seja na cerâmica de Bordalo Pinheiro, seja no filigranado do coração de Viana do Castelo. Recorrendo a materiais que são parte menor do nosso quotidiano, a artista prende de imediato a atenção do público que não tem como não se identificar com uma parte substantiva da sua obra. Medicamentos, talheres de plástico, ferros de engomar, telefones ou tachos e panelas são, graças à genialidade de Joana Vasconcelos, transformados em objectos artísticos de grande impacto e significado, quer pela sua dimensão e exuberância, quer pelo diálogo que estabelecem com o espectador.

Só pela verdade absoluta que se esconde por detrás do título desta exposição, já valeria a pena uma deslocação a Serralves. Mas há depois toda uma série de obras – cerca de quatro dezenas, no seu conjunto – que parecem dotadas de um magnetismo especial, que atraem e questionam, que interferem com modelos dados como adquiridos, que abalam o preconceito e fazem o espectador descer à terra, o “luxo” desmascarado. Se dúvidas houver, atente-se em obras como “Cama Valium”, “Fátima Shop”, “Call Center”, “Coração Independente Vermelho”, “Candelabro”, “Solitário” ou “Marilyn” e veja-se como os objectos mais banais são dignos de uma atenção que, de outra forma, não teriam. É toda uma história de desconstrução e, em grande medida, de redenção, que a artista nos conta, uma história com tanto de desconcertante como de empolgante, que nos ensina e diverte, que nos obriga a olhar para a Arte Contemporânea com a atenção que ela merece.