No momento de pôr um ponto final na sua carreira como fotojornalista e abraçar novos projectos artísticos, Alfredo Cunha passa em revista um olhar de mais de cinco décadas sobre a História e a Cultura contemporâneas. Engajado com um mundo em permanente ebulição, o fotógrafo reúne cerca de oito dezenas de imagens sob o título “Photographo” – curiosa a grafia, a remeter para um passado cada vez mais distante –, consideradas das mais relevantes da sua carreira. O destaque vai para uma selecção de icónicas imagens do 25 de abril de 1974, mas também do conturbado processo de descolonização das antigas colónias portuguesas em África que se lhe seguiu. Angola, Moçambique, Guiné-Bissau e São Tomé são palco privilegiado das suas fotografias, reveladoras quer do impacto político e social do fim do colonialismo, quer das tensões e conflitos que o acompanharam. A sua fotografia “Descolonização”, com o amontoado de caixas a bloquear a vista da cidade, é um símbolo poderoso dessa nova realidade, mostrando o desafio de lidar com as consequências do passado colonial.
Além dos eventos políticos e sociais, Alfredo Cunha destacou-se pela sua capacidade de captar a essência das pessoas, desde figuras públicas como Mário Soares, Miguel Torga, José Saramago, Maria Helena Vieira da Silva ou Maria Teresa Horta, até anónimos que viveram a repressão da ditadura. Os seus retratos a preto e branco mostram não apenas rostos, mas histórias e emoções, refletindo a privação da liberdade e a luta pela dignidade humana. Aos 70 anos de idade, justo é reconhecer na obra de Alfredo Cunha um testemunho humanista que ajuda a preservar a memória colectiva, especialmente precioso para as gerações que não conheceram a repressão do Estado Novo. A sua capacidade de capturar a energia, o drama e a esperança nos rostos das pessoas, levam-nos a olhá-lo como uma voz visual da verdade, cuja obra vai muito além do simples registo documental, refletindo um compromisso profundo com a liberdade e a justiça social.
“A fotografia de Alfredo Cunha tem mais tempos e mais lugares, muitos mais, do que os contemplados nesta selecção do fotógrafo e do curador David Santos. Afinal, é já mais de meio século de trabalho. Contudo, em “Photographo” temos uma oportunidade única de olhar, com realismo, o país e o mundo e de, através da lente de Alfredo Cunha, nos questionarmos sobre quem somos. E quando a Arte nos devolve ao lugar das perguntas e das identidades, mais do que um contexto, ela é já merecedora de toda a eternidade. A Arte não é neutra, a fotografia não é neutra, a fotografia de Alfredo Cunha não é neutra. É uma escolha e o que somos revê-se nessa escolha.” As palavras são de Helena Mendes Pereira, Directora-Geral e Curadora da Zet Gallery, em Braga, que acrescenta: “Não tínhamos como não acolher esta exposição. Obrigada, Alfredo Cunha, pelas tantas estórias que são a nossa História”. A mostra integra os Encontros da Imagem de Braga e está patente ao público até 26 de Outubro.
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