FESTIVAL: CIRC-UN-FLEX
Festival de Circo Contemporâneo
Ovar, vários espaços
23 Mai > 25 Mai 2025
Nos últimos anos, as artes circenses têm sabido reinventar-se com base em abordagens pluridisciplinares, assegurando o surgimento e a afirmação de novas estéticas e mantendo esse desígnio maior de levar o circo a todos os públicos. A variedade da oferta e a sua qualidade intrínseca – e aqui importa relevar o trabalho do INAC – Instituto Nacional de Artes do Circo, sediado em Famalicão – têm feito com que o circo contemporâneo seja chamado, com frequência crescente, a integrar os mais variados programas culturais, quer através de espectáculos isolados, quer de forma conjugada com outras propostas, complementares entre si, sob a forma de um festival. Está neste caso o CIRC-UN-FLEX, evento promovido pelo Município de Ovar e que, no passado fim-de-semana, espalhou pela cidade a magia desta arte milenar no seu poder de contar histórias e explorar novos universos. Em cinco momentos distintos, entre espaços ao ar livre e o palco do Centro de Artes de Ovar, esta primeira edição deu a ver o trabalho de um conjunto de artistas que, das mais variadas formas, desafiaram os limites da arte circense, cruzando a acrobacia, o malabarismo ou a pantomina com o teatro, a dança ou a música.
Não falarei aqui dos espectáculos da dupla “Ferrer & Weidman” (Espanha) e de “Tatsuya” (Japão), grandes protagonistas da noite de estreia do Festival, uma vez que não tive oportunidade de os ver. Já na tarde de sábado, o Largo do Tribunal foi palco de “Les Poids des Nuages”, da companhia “Hors Surface” (França), uma peça que explora a relação entre duas personagens em busca da perfeição. Um enorme trampolim e uma escada erguida aos céus serviram de adereços a uma série de acrobacias de enorme efeito visual e valia técnica, graças ao trabalho coordenado do português Diogo Santos e do marroquino Mohamed Nahhas, dois extraordinários executantes da companhia fundada em 2010 por Damien Droin. Entre o sonho de Ícaro e o desafio das leis da gravidade, os “Hors Surface” foram merecedores do aplauso entusiástico do público neste seu esforço de pôr em cena a capacidade da pessoa em compreender o outro e saber aproximar-se dele, em relativizar entre o que é e o que parece (o “peso das nuvens” funciona como uma bela metáfora) e, através da união de esforços, entregar-se num abraço a um ideal maior.
“Furo Lento”, de Rui Paixão (Portugal), fechou o segundo dia do Festival com um espectáculo de grande efeito, convidando o espectador a olhar um mundo pós apocalíptico, habitado por entidades cibernéticas como que saídas de jogos de computador, dispostas a subjugar e a humilhar os humanos (leia-se “o público”) de forma autoritária e arrogante. Num cenário evocativo de “2001: Odisseia no Espaço”, Rui Paixão, Pedro Matias e Alan Sencades deram nota de uma extraordinária coordenação e destreza física, juntando à apurada linguagem corporal a componente de expressividade “clownesca” capaz de arrancar saborosas gargalhadas à plateia. “Lost in Translation”, uma criação de Anna Kristin McCarthy, com interpretação de Ireen Peegel, Jaakko Repola e Aleksey Smolov, fechou o Festival na tarde de domingo, lançando para cima da mesa uma série de questões que falam de compreensão, empatia, união. Com um conjunto de adereços simples e muito humor e criatividade, o colectivo da Estónia, Finlândia e Letónia explorou um mundo povoado de muros e fronteiras e no qual as palavras, como os gestos, se reduzem cada vez mais a meros estereótipos. “Alguma dúvida?”
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