CONCERTO: “Voz e Guitarra”
Com | Carolina Deslandes (voz), Feodor Bivol (guitarra)
Cineteatro António Lamoso
09 Mai 2025 | sex | 21:30
“É que eu não gosto cá de meias coisas; eu gosto de coisas, coisas. Eu, se não gosto, não suporto, e se gosto, amo perdidamente. Não há cá meias coisas. Eu nunca entendi gente que é toda ‘nhahm’. O que é queres? É-me indiferente. Vamos para ali? É o que tu quiseres. Então, o que é que te apetece? Não, nada de especial. Daaa-se!” Provocadora, descomplexada, mordaz, sem papas na língua e profundamente verdadeira, Carolina Deslandes mostrou-se ela mesma ao público da Feira, num concerto intitulado “Voz e Guitarra”, mas que bem poderia chamar-se “Palavras e Música”, de tal forma os momentos de reflexão, intimidade e partilha com o público rivalizaram com a (belíssima) música da cantora. E foi perfeito que assim fosse. Perante uma plateia carregada de uma “afición” muito jovem, aquilo que Carolina Deslandes teve para dizer faz a diferença. Querem um exemplo? “Eu não sou uma senhora, eu sou uma mulher, e não tenho de corresponder às expectativas de absolutamente ninguém. Mais importante do que eu, que vou fazer 34 anos, são as miúdas que nascem e que se não gostam de cor de rosa e de purpurinas ou se têm um corpo que não é igual ao da Cláudia Schiffer, ficam a achar que há alguma coisa de errado com elas. Está na altura de não perpetuarmos esta sociedade que é uma fábrica de fazer miúdas inseguras.”
“Eu gosto muito deste formato de concertos, porque acho que o mundo nos anda a convencer de que é preciso viver a uma velocidade em que já ninguém conversa com ninguém, em que as canções devem ter até xis minutos porque as pessoas, dizem, já não têm capacidade de atenção para ouvir mais tempo, em que se quer coisas mais curtinhas, mais vazias, mais fáceis de decorar, mais rápidas, mais… E eu sinto que estamos a caminhar para a cultura do vazio e da superficialidade.” Cruzando canções que ilustram treze anos de uma carreira recheada de belíssimos momentos, com alguns exemplares de um novíssimo álbum a sair ainda este mês, Carolina Deslandes provou que os sonhos de uma artista e uma artista de sonho podem ser uma e a mesma coisa. “Dois Dedos de Testa” abriu as hostilidades de forma afirmativa - “Quero ser dona da festa / Tenho dois dedos de testa” - e deu o mote para um concerto fortemente intimista, de emoções à flor da pele. Temas como “Adeus Amor Adeus”, “Avião de Papel”, “Aleluia”, “A Vida Toda”, “Borboletas”, “Vai Lá” ou “Tento na Língua” preencheram a primeira parte do concerto e mostraram os vários “heterónimos” da cantora, entre o apaixonado fofo, o interventivo zangado e o “já te superei mas espero que não me tenhas superado”.
“Algures no tempo, achou-se que a arte era uma coisa de vaidade, de roupas caras, passadeiras, carros caros. E a arte é um exercício de proximidade, de aproximação. Arte é dizer uma coisa e pô-la cá fora - seja a cantar, seja a escrever, seja a pintar -, e descobrir onde é que nós todos, que somos não sei quantos biliões, somos exactamente iguais uns aos outros.” Extraordinariamente acompanhada pelo “mágico” Feodor Bivol, Carolina Deslandes prosseguiu no mesmo registo, fazendo com que a atenção do público se centrasse nas mensagens implícitas em cada uma das letras - “um acto de muita coragem, um mundo em que dizem que a capacidade de atenção das pessoas é de sete segundos, dizer que o amor é para a vida toda” - e o seu valor explícito: “A beleza da tentativa e o requinte de saber dizer adeus”, “se os poetas tivessem farmácias as pessoas curavam-se com poesia” ou “exponho-me demasiado, mas esse é o compromisso com aquilo que eu faço; se não for para dizer a verdade, não abro a boca.” “Por um Triz”, “Ruas de Lisboa”, “Como é Linda”, “Não me Importo” e “Saia da Carolina”, completaram o alinhamento, num concerto que não teve direito a “encore”, mas que teve uma explicação: “Não vale a pena [o encore], é uma dança de carência e já estamos todos fartos desta brincadeira.” Uma vez mais, só temos que lhe dar razão. E agradecer-lhe pelo tanto que nos trouxe numa noite para lembrar por muito tempo.
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