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sexta-feira, 30 de maio de 2025

CONCERTO: Tó Trips & Fake Latinos



CONCERTO: Tó Trips & Fake Latinos
Com | Alexandre Frazão, António Quintino, Helena Espvall
Participação especial | João Cabrita, Luís Cunha
Casa da Música - Sala 2
28 Mai 2025 | qua | 21:30

“Uma mão cheia de músicas, de lugares de histórias de vida, por vezes mais escuras, outras mais luminosas, mais rítmicas, outras mais jazzy, sempre com um pé em Lisboa e outro fora. Onde o modo de tocar guitarra do passado se encontra com o de hoje! A minha música sempre foi um poderoso meio de dissidência para mim, sendo capaz de transformar sentimentos pessoais em formas de plenitude e de protesto. Ser eu próprio no mundo com a minha música e a minha guitarra!”
Tó Trips

Casa cheia na Sala 2 da Casa da Música para escutar Tó Trips e o seu novíssimo trabalho, “Dissidente”, o primeiro da carreira gravado em formato de quarteto. Com o guitarrista, em palco estiveram os Fake Latinos, um trio composto por Alexandre Frazão na bateria, António Quintino no contrabaixo e Helena Espvall no violoncelo, e, na parte final do concerto, João Cabrita no saxofone e Luís Cunha no trompete. Começando pelos “cúmplices” nesta bela jornada, tanto Quintino como Espvall prolongam as bem sucedidas aventuras de “Guitarra 66”, “Guitarra Makaka” e “Popular Jaguar”, mostrando-se irrepreensíveis na forma como sabem interpretar uma música rica de tons e cores, acrescentando-lhe densidade e intencionalidade. Em particular Espvall é incrível no “arranhar” do violoncelo, recheando cada peça de acordes misteriosos que convidam à contemplação e à viagem. Já Alexandre Frazão, um velho conhecido do guitarrista e do projecto Dead Combo, mostrou o porquê de ser só o melhor baterista da nossa praça, o que diz tudo do que foi a sua presença em palco e da sua interpretação atenta, inteligente, contida e fortemente eficaz. Luís Cunha e João Cabrita quebraram o intimismo do concerto, preenchendo-o com o calor dos metais e enriquecendo-o com uma mão cheia de solos enérgicos e arrebatados.

Fazendo da exploração das potencialidades das suas guitarras um modo de estar na música, Tó Trips fez valer em palco a sua identidade enquanto guitarrista, a sua forma exclusiva de tocar, espécie de impressão digital que o torna único e irrepetível. Sem escapar à sua assinatura autoral, o trabalho agora apresentado reflecte “evolução na continuidade”, sobretudo ao nível dos solos que aproximam a sua música do fado, na qual se percebem, como nunca, influências da guitarra de Paredes e do fado de Coimbra. E se estas “impressões” se iam insinuando em apontamentos solísticos reveladores da classe e virtuosismo do artista, tornaram-se evidentes no original “Levar com o mar nas Trombas”, primeiro de dois temas que preencheram o “encore” e que o guitarrista interpretou sozinho em palco. Mas já lá vamos. “Havana Alfama”, “Fiesta Triste” e Rua Escura” funcionaram como uma espécie de introdução marcada pela viagem entre paragens sempre distantes, sempre contrastantes, introduzindo os presentes num universo que estabelece pontes e rejeita muros, que faz da partilha um ideal e exalta valores humanistas, de igualdade e liberdade.

Neste universo, em rota de colisão com aquele cada vez mais ambíguo e falso em que nos movemos, “Dissidente” foi a pedra de toque de um concerto todo ele apostado em “meter um pauzinho na engrenagem”. E porque já aqui falei de fado, “Dissidente” é todo ele uma ode àquilo que fomos e somos, um hino à fraternidade, que se viu reforçado nos seguintes “Mornacola” e “Tango Surdina”, o abraço sincero e sentido às comunidades na diáspora de ambos os lados do grande mar Atlântico. A viagem prosseguiu com “Old Times Bunny”, um ligeiro desvio “para quem gosta de desenhos animados”, e com “À Beira Tejo com os meus Amigos Fantasma”. Também aqui cabe apreciar o refinamento do trabalho de Tó Trips, a sua qualidade de guitarrista de excepção, a amplitude dos seus universos musicais. Ampliar o olhar por sobre o público é ver como se deixa envolver pela música, como meneia a cabeça ao seu ritmo, em sinal de assentimento e gratidão. Já com Luís Cunha e João Cabrita em palco, “L.A. Chet” e “Kerouac” são dois outros grandes momentos em jeito de homenagem a duas personagens seminais na vida e obra do guitarrista. “Napoli Blue Dreams” e “Fake Latinos”, os dois temas mais longos do concerto, fecharam o alinhamento em grande estilo, os solos a sucederem-se e a levarem a sala ao rubro. “Pra lá de Marrakesh”, a fechar o “encore”, foi a cereja no topo do bolo desta viagem por mundos contrastantes, tão diferentes mas tão iguais entre si, por força de uma música de excepção.

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