CINEMA: Shortcutz Ovar Sessão #95
Com | Bruno Ferreira, Stella Carneiro, Gonçalo Loureiro
Apresentação | Tiago Alves
150 Minutos | Maiores de 14 Anos
Escola de Artes e Ofícios
29 Mai 2025 | qui | 21:30
A fechar a primeira metade da presente temporada competitiva do Shortcutz Ovar, a Escola de Artes e Ofícios abriu de novo as portas aos cinéfilos para mais uma sessão de filmes que voltaram a ilustrar a qualidade e variedade do cinema português em versão curta. Bruno Ferreira, Stella Carneiro e Gonçalo Loureiro preencheram o serão com três propostas que tiveram em comum uma ideia de imprevisibilidade, mostrando na tela os imponderáveis que surgem quando menos se esperam e que fazem com que os mais variados projectos vejam as suas trajectórias alteradas, para o bem e para o mal, pondo à prova a resiliência e capacidade de reinvenção de cada um. É o cinema a imitar a vida e a mostrar-se herdeiro do quotidiano, dando a ver realidades que nos são próximas, com as quais estabelecemos relações empáticas e nos empurram para a reflexão e para o auto-questionamento. Ter a possibilidade de debater com os criadores os pormenores dos seus trabalhos é a mais-valia destas sessões e que o público tão bem sabe reconhecer com a sua presença sempre atenta e entusiástica e com o seu caloroso aplauso.
Bruno Ferreira abriu a sessão com a história de um realizador de cinema e da sua produtora executiva que se encontram com uma cartomante para conseguirem informações e ideias para o próximo filme. Bloqueios criativos acontecem. Já o recurso a uma cartomante na tentativa de os resolver não será tão comum. Mas foi precisamente isso que a dupla fez, transformando a conversa com Becas Lírio no ponto de partida de “Nunca Mais é Demasiado Tempo”. O inesperado acontece quando Iris Cayatte, a actriz que iria protagonizar o filme, adoece repentinamente, deixando realizador, produção e equipa técnica entregues a si próprios. A ideia de precariedade impõe-se de maneira intensa, mas também a de fatalidade, ou esta situação não tivesse sido prevista pela cartomante meia dúzia de meses antes da feitura do filme. O momento é delicado e exige resposta pronta e eficaz. É então que Bruno Ferreira saca da manga a carta certa, lançando Raquel da Silva para a frente da câmara. Com alguma ironia e muito humor, o realizador mostra que fazer um filme pode ser um processo muito livre, haja para tanto vontade e imaginação.
“Golden Shower” foi o segundo filme da noite, através do qual a alagoana Stella Carneiro lança um olhar sobre a relação amorosa de um jovem casal, “contaminada” por uma fantasia erótica sob a forma de proposta. A postagem do então presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, na sua conta pessoal no Twitter, de um “vídeo explícito de um homem urinando na cabeça de outro” e perguntando “o que é um golden shower”, foi a mola impulsionadora de um filme que acarreta em si uma ideia de vingança. Esta intenção de denúncia dos comportamentos imorais ligados à extrema direita ficou particularmente vincada na conversa da realizadora com o público, oferecendo novas leituras a um filme que parecia viver apenas desse pedido inesperado que fez tremer a relação do casal. A partir daqui novas questões se levantam, quer se trate da objectificação da mulher, da condição de emigrante (e brasileira) ou do empoderamento feminino. “Golden Shower” é mais sobre causas e menos sobre efeitos, mas é sobretudo um murro no preconceito, a liberdade de poder fazer escolhas acima de tudo. Não posso terminar este parágrafo sem falar de Kim Ostrowskij, a protagonista do filme, cujo desempenho é absolutamente maravilhoso, e do facto de “Golden Shower” ter sido o preferido do público nesta sessão.
Por último, “Trapstarz”, de Gonçalo Loureiro, fechou a noite com novo imponderável, mas aqui de sinal bem positivo. O filme acompanha as “dores de crescimento” de Mauro ‘Kaiser’ Santos, Vitor ‘Braga’ Ferreira e Jorge ‘Joca’ Correia, três jovens viseenses que sonham em tornar-se estrelas maiores do firmamento “trap”. Começando por ser uma possibilidade de filme a partir de imagens de cunho documental recolhidas ao longo de dois ou três anos, “Trapstarz” progride para a ficção ao acompanhar o projecto ambicioso de criação de um videoclip que, na expectativa do trio, possa viralizar e lançar a sua carreira de forma definitiva. Entre altos e baixos, o tão esperado momento acabará por surgir, lançando um forte clarão sobre vidas até aí na sombra. Percebemos no trabalho de Gonçalo Loureiro um “cinema de causas”. A sua ambição não é maior do que a dos “trappers” do filme, na busca de se ir mantendo à tona da água sem deixar de fazer o que gosta, sabendo de antemão que o que vier por acréscimo é lucro. Em “Trapstarz” esse “lucro” faz-se de incerteza e ilusão, de persistência e imaginação, do sonho de voar e do saber cair. É um filme tocante na sua verdade e humildade, capaz de se mostrar cúmplice, fraterno e livre. Um fecho de sessão com chave de ouro.
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