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terça-feira, 20 de maio de 2025

CONCERTO: Nduduzo Makhathini



CONCERTO: Nduduzo Makhathini
Com | Dalisu Ndlazi (contrabaixo), Lukmil Perez (bateria)
Auditório de Espinho - Academia
16 Mai 2025 | sex | 21:30


Na esteira de nomes como os de Egberto Gismonti, Danilo Perez, Uri Caine, Michael Wollny, Chano Dominguez, Vijay Iyer ou a saudosa Carla Bley, todos eles enormes pianistas que, nos anos mais recentes, pisaram o palco do Auditório de Espinho, Nduduzo Makhathini conduziu um serão inesquecível na noite da passada sexta-feira, mostrando o porquê de ser uma das figuras essenciais do jazz nos nossos dias. Desde que, em 2020, gravou o seu primeiro trabalho com o carimbo Blue Note, o pianista e compositor sul-africano vem sendo amplamente aclamado pela transcendência genuinamente espiritual da sua música. Para Makhathini, mais do que questões ligadas à estética, a música traz consigo uma ideia de cura, algo que ficou claramente demonstrado nas palavras dirigidas ao público, convidando-o a “ouvir com a música” e não apenas a “ouvir a música”. Eis a fórmula para sermos parte da música, do ritual, conectando-nos com o som, dissolvendo-nos nele. Um concerto será, pois, “uma oportunidade para nos podermos encontrar num ensaio e estar dentro do som. De criarmos outros futuros para os nossos bisnetos, para que possam viver num mundo que compreenda a pluralidade, a coexistência, a compaixão, a humildade, o amor do outro. Coisas muito simples que temos de ensaiar porque as esquecemos”, disse.

Apoiado no recente álbum “uNomkhubulwane”, o concerto desenrolou-se entre baladas harmoniosas e um fervoroso gospel assente na palavra, num dos seus momentos mais apimentados com recurso a um teclado capaz de absorver e distorcer a voz. Magnificamente acompanhado pelo contrabaixista Dalisu Ndlazi e pelo baterista Lukmil Perez, com os quais estabelece uma afinidade notável e uma comunicação quase telepática, Nduduzo Makhatini ofereceu um conjunto de sete temas altamente trabalhados, capazes de surpreender pelo contraste entre compassos não imediatamente compreensíveis e cativantes padrões repetitivos, geradores de uma forte empatia com o público. Uma escuta atenta do seu trabalho ao piano e do fraseado que se esconde por detrás das batidas, permite identificar um conjunto de fortes influências jazzísticas, que vão de músicos como Bheki Mseleku, Abdullah Ibrahim, John Coltrane, Randy Weston ou Thelonious Monk, aos ritmos de origem latina, na forma de um samba, de um bolero ou até de um fado. Simples e líricos ou densos e complexos, os temas têm essa tendência para o hipnótico, como se de um mantra se tratasse, sobretudo nos momentos em que o pianista, chegado ao microfone, entoa longos segmentos em Zulu, mesclados com uma impressionante variedade de estalidos com a língua.

Entre melodias de uma beleza pungente, temas angulares atacados pela percussão e peças furiosas de cores sombrias, as raízes da raiva tornam-se compreensíveis quando, a meio do recital, Makhathini se dirigiu ao público e falou de uma sala habitada pela beleza da música, mas também por “catástrofes, comunidades deslocadas, pessoas sem abrigo.” “Ntu” é a palavra com que Nduduzu Makhathini formula a sua reivindicação: um resquício sonoro de “Ubuntu”, um conceito do povo Bantu que significa uma espécie de altruísmo universalista. Foi esta a mensagem que impregnou um concerto que ficou marcado por dois momentos extraordinariamente longos de conversa com o público. E se o segundo momento, após o prolongado aplauso que se seguiu ao final da actuação e que obrigou os músicos a regressarem ao palco para o tão reclamado “encore”, foi de reflexão sobre estes conceitos enraizados na cultura e na tradição Zulu, tão caros ao músico, foi no primeiro momento que as palavras atingiram o público de forma certeira. “São muitos os problemas que estão a sufocar o mundo porque pensamos mais em ter do que em dar.” O seu conceito de espectáculo e o espaço que a música pode abrir para que o possamos preencher, implica uma escuta orientada para a rendição, para o vazio. Como nunca, os aplausos de pé foram mais que merecidos.

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