EXPOSIÇÃO: “O Sal da Democracia. Mário Soares e a Cultura”
Curadoria | José Manuel dos Santos, Pedro Marques Gomes
Casa de Serralves
06 Dez 2024 > 01 Jun 2025
“Foi o amor à cultura, foi a relação constante e visceral que a ela sempre me ligou, que fez com que a minha vida política se tivesse sempre entrelaçado com a minha constante paixão pela liberdade.”
Mário Soares
Figura fundamental da nossa história contemporânea, tudo o que Mário Soares fez na política — na resistência à ditadura, nos combates da democracia e nos altos cargos públicos que ocupou — decorreu de uma atitude cultural forte e funda. Nascido em 1924, viveu a adolescência e a juventude durante a Guerra Civil de Espanha e a Segunda Guerra Mundial. Os mestres intelectuais que então teve, a começar pelo pai, foram também os seus mestres cívicos, morais e políticos. Com eles, aprendeu a conhecer Camões, Kant, Antero de Quental, Eça de Queiroz, Rembrandt ou Columbano, mas também a ganhar consciência do que estava em causa naqueles trágicos acontecimentos decisivos para o destino da liberdade. Para ele, a política e a cultura passaram a ser inseparáveis. Um dia, disse: “A cultura é o sal da democracia.” É esta afirmação que dá título a esta exposição.
A visão que tinha de Portugal, da Europa e do mundo era política e era cultural. Foi construída pela reflexão e pelo conhecimento da história, da literatura, da arte, do pensamento crítico. No longo tempo da sua vida, Soares viveu sempre rodeado de livros (os que escreveu, leu e reuniu como bibliófilo) e de obras de arte (as que, com a mulher, Maria Barroso, colecionou). Celebrando o centenário do seu nascimento, esta exposição mostra a intimidade inspiradora de Soares com a cultura e com aqueles que a criam através de uma seleção antológica de obras das suas coleções de arte (pintura, desenho, escultura, tapeçaria, gravura) e de bibliofilia (livros raros, primeiras edições, manuscritos). Mostrando obras de grande significado pessoal, qualidade artística e representatividade cultural, esta exposição revela faces desconhecidas de uma personalidade fascinante — português universal, cidadão do mundo, viajante incansável, dotado de uma curiosidade infinita, que fez da aventura da sua vida uma criação prodigiosa e um testemunho de liberdade livre.
A Casa de Serralves cria as condições para que a exposição se possa apresentar na fidelidade ao carácter pessoal e privado destas colecções, evidenciando a subjectividade das escolhas, guiadas pelo gosto, pela amizade e pelo conhecimento. A colecção de arte, de que a exposição é uma antologia representativa, inicia-se cronologicamente com os naturalismos (António Carneiro, Alfredo Keil, Abel Salazar, Veloso Salgado) e depois com os modernismos (Francis Smith, Almada, Stuart, Barradas, António Soares, Júlio, Alvarez, Carlos Botelho, Bernardo Marques, Tagarro) e alcança a contemporaneidade (Ângelo de Sousa, Noronha da Costa, Álvaro Lapa, Jorge Martins, Batarda, Ana Vieira, Palolo, Julião Sarmento, Graça Morais, Mário Botas, Cabrita Reis, Carlos Nogueira, Ilda David, Ana Vidigal, Miguel Branco). Nela, estão representados alguns dos artistas mais importantes das correntes, escolas e tendências fundamentais que configuraram a arte portuguesa do século XX e do início do século XXI.
O destaque vai para a importância da presença na colecção das obras de Maria Helena Vieira da Silva e de Júlio Pomar. A primeira manteve com Soares um entendimento e uma amizade que, em larga medida, estão na origem da reaproximação a Portugal da grande artista naturalizada francesa e hostilizada longamente pelo governo de Salazar. Com Pomar, Soares esteve preso em Caxias, quando ambos eram muito jovens, e o pintor fez-lhe o primeiro retrato. Esta proximidade pessoal e artística ligava-se a uma grande cumplicidade política que se manteve toda a vida. Nesta coleção e nesta exposição, têm natural destaque os artistas das gerações mais próximas de Soares, com quem ele tinha laços pessoais e políticos muito fortes: Dacosta, Hogan, Resende, Pomar, Nadir, Nikias Skapinakis, Cesariny, Cruzeiro Seixas, Manuel Cargaleiro, Fernando Lanhas, Menez, Lima de Freitas, Paula Rego, Eduardo Luís, Escada, Cutileiro, João Vieira, Lourdes Castro.
Como bibliófilo, o político e homem de cultura colecionava primeiras edições, livros raros, manuscritos e correspondência. A escolha dos autores era presidida por critérios de admiração intelectual e até de genealogia político-literária. Soares era um político-escritor, com uma obra vasta, da qual fazem parte alguns livros fundamentais da nossa literatura de ideias e da nossa memorialística. Considerava a palavra, escrita e falada, como um instrumento fundamental de ação e persuasão. A presença na biblioteca da Casa de uma das secretárias onde escreveu e leu durante as décadas finais da sua vida simboliza este seu trabalho verbal incansável. Estes interesses e estas afinidades, que fundam uma visão do mundo, tiveram também uma importante repercussão na sua ação de homem público e marcam, direta ou indiretamente, a nossa história contemporânea.
[Extraído do Roteiro da Exposição, em https://cdn.bndlyr.com/nsa343pdfl/_assets/2412_mariosoares_roteiro_site.pdf]
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