CONCERTO: Elida Almeida
Com | Jerry Bidan (guitarra), Mayo (baixo), Kalu Ferreira (teclados), Kau Paris (bateria)
Kriol Jazz Festival 2025
Centro de Artes de Águeda
29 Mar 2025 | sab | 21:00
Regressemos atrás no tempo e fixemo-nos em 2008. Na cidade da Praia germinava a ideia de fazer um festival de Jazz em Cabo Verde, um evento que representasse uma certa crioulidade, acentuando as sonoridades africanas. Rosto maior da iniciativa, o produtor Djo da Silva dava forma à expressão de uma vontade que residia nos cabo-verdianos: a de outros palcos, outras músicas, mais artistas e novas experiências. A edição inaugural do Kriol Jazz Festival teve lugar no ano seguinte e juntou nomes como Tcheka, Ba Cissoko, Regis Gizavo ou Mário Lucio. Entretanto, o Festival cresceu e consolidou-se, vendo passar pelos seus palcos figuras maiores do jazz e da música de expressão africana, de Hermeto Pascoal a Mayra Andrade, de Os Tubarões a Dee Dee Bridgewater. Agora que treze edições são cumpridas e se anuncia, dentro de poucos dias, uma nova jornada de celebração da música de inspiração crioula, o Kriol Jazz Festival arrisca um novo salto, assentando arraiais pela primeira vez além fronteiras. A cidade de Águeda foi o local escolhido e o momento inaugural teve lugar na noite de sábado, com a cantora cabo-verdiana Elida Almeida.
Perante uma plateia repleta de um público entusiasta - entre os quais se encontrava o ministro da Cultura e das Indústrias Criativas de Cabo Verde, Augusto Veiga -, Elida Almeida cantou e encantou, graças à sua simpatia e energia, a uma extraordinária capacidade vocal e à forte presença em palco, estabelecendo pontes com o público de forma natural e convidando os presentes a bailar ao ritmo da tabanka, do batuco, da morna ou do funaná. “Dexam kontabu nha lamentu / ki ta fikau na pensamentu / mi tambi djam sunha tamanhu / dizatinadu sem tadju”. Os primeiros acordes fazem-se ouvir, as primeiras palavras fazem-se sentir. Num crioulo cerrado, “Mulata” é toda uma carta de intenções, num concerto pensado de e para as mulheres. A canção fala da vida fechada e pobre das mulheres da ilha, mas exalta a coragem de uma delas, Cesária Évora, bandeira de todo um povo. As dificuldades das meninas que se levantam cedo, com o cantar do galo, para poderem ir à escola é o tema de “Kaminhu Lonji”, o seu significado e simbolismo a tomar conta da sala, ao fio e à medida de uma batida intensa de ritmo e de energia e de uma voz quente e harmoniosa. “Sai Bu Bai” fala do fim de uma relação, “Nhu Santiago” é um hino de amor à ilha onde nasceu e “Mudjei” é o grito de resistência que a todas une.
Entre “uma aula gratuita de crioulo”, uma provocação ao presidente do Município de Águeda e a alegria de ver a plateia toda a cantar, Elida Almeida mostra uma energia inesgotável, saltando no palco, puxando pela voz e fazendo um constante apelo à participação do público. Este responde na mesma moeda, sobretudo os muitos cabo-verdianos que pontificam na sala, filhos e netos na diáspora, gargantas ao rubro, letras na ponta da língua, canções entoadas a uma só voz. A segunda metade do concerto segue o mesmo tom, afirmando a história da mulher que foi, um dia, a menina que se alimentava de canções quando não havia nada para comer. É Cabo Verde que a inspira e através da qual canta a emancipação da mulher. “Mo Ki Nta Fazi” denuncia as desigualdades sociais, “Dipalbesa” é despedida, “Lebam Ku Bo” é ambição de uma vida melhor e “Domingo Denxo” diz que abençoado seja o descanso. “Bersu d’Oro” fechou da melhor forma o alinhamento do concerto, com todo a sala levantada das cadeiras, a dançar e a fazer a festa. Num muito reclamado encore, a cantora trouxe consigo o primeiro êxito da sua carreira, “N Ta Consigui”, e “Mudjei” foi tema repetido a fechar a noite em ambiente de verdadeira apoteose. Grande começo de um grande festival.
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