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sábado, 12 de abril de 2025

CONCERTO: "The Bird of a Thousand Voices" | Tigran Hamasyan



CONCERTO: “The Bird of a Thousand Voices” | Tigran Hamasyan
Com | Tigran Hamasyan (piano e voz), Yessaï Karapetian (teclados), Marc Karapetian (baixo e voz) e Matt Garstka (bateria)
Ovar em Jazz 2025
Centro de Artes de Ovar
11 Abr 2025 | sex | 21:30


Sem desprimor para com todos os nomes que integram a programação do Ovar em Jazz 2025, é inegável que a grande figura de cartaz desta sétima edição é, desde a primeira hora, o pianista arménio Tigran Hamasyan. Foi por ele, pelo reconhecido talento, pelo vigor das suas abordagens musicais, pela exploração dos sons contrastantes da rica tradição do folclore arménio e pela mistura explosiva de um jazz dinâmico com um rock progressivo, que o Centro de Artes de Ovar esgotou a sua lotação para uma noite de festa e de celebração verdadeiramente única. Inspirado num conto ancestral arménio, “The Bird of a Thousand Voices” é uma viagem através de um mundo corrosivo, tumultuoso e ameaçador, nessa busca incessante pela paz e pela harmonia. Longa e difícil, a jornada surge recheada de conflitos, desigualdades e cataclismos, os quais, como se dos níveis de um jogo se tratasse, importa ultrapassar. Envolta pela extraordinária música de Tigran Hamasyan, a história é desvendada graças a um conjunto de melodias e ritmos exóticos, deixando perceber, nas muitas camadas que encerra, todo um substrato de novos mundos que importa explorar.

Um pássaro, mil vozes. É na jóia do Cáucaso, onde culturas milenares se cruzam e os conflitos parecem não ter fim, que encontramos este pássaro mítico, o único capaz de pôr fim à maldição que pesa sobre um Rei cuja generosidade deu a ver a maldade e a ganância do seu povo. O filho mais novo do Rei acabará por trazer consigo o tão ansiado pássaro, fazendo com que a maldição seja quebrada, mas muita coisa acabará por se perder pelo do caminho. Tigran Hamasyan socorre-se de uma história muito bela para, de forma metafórica, alertar para a crise que assola a humanidade e apelar à construção de um mundo melhor e mais justo. Debruçado sobre as teclas do piano, fundido com as sonoridades que dele extrai, o músico constrói delicados motivos de filigrana que se repetem e evoluem, ao mesmo tempo emprestando a voz a um conjunto de frases musicais que parecem fazer parte da tradição oral, como se de uma canção de embalar se tratasse. O efeito sobre o público é imediato, cativando pela beleza envolvente das melodias, emocionando pelos interlúdios contrastantes que se elevam do piano.

Entre a apreensão e o medo, o desembaraço e a audácia, a coragem e a amizade, a persistência e o amor, nem tudo serão rosas ao longo da caminhada. É espantosa a técnica de Hamasyan, criando momentos dissonantes que mimetizam as emoções e instalam a inquietação e a dúvida. O mesmo sucede com os restantes elementos da banda, em total concordância com a música e o desenrolar da história. Temas como “The Curse”, “The Quest Begins”, “Areg's Calling” e “Areg and Manushak” abrem-nos esse mundo pós-apocalíptico, no qual nos movemos pesadamente à procura de salvação. “Red, White and Black Worlds”, “Prophecy of Sacrifice, “He Refuses to be Immortale “Forty Days in the Realm of the Bottomless Eye” são a afirmação de uma obra de arte total. De forma épica, o conto de fadas chegará ao fim com “Flaming Horse”, “Only the One who Brought the Bird can make it Sing” e “The Kingdom”, o derradeiro “The Well of Death and Resurrection” como um mais que merecido “repouso do guerreiro”. Não demasiadamente explícita, a mensagem política está lá. Graças aos Putins e aos Trumps deste mundo, importa dizer que ninguém está a salvo e disto nos fala Tigran Hamasyan. Disto e da necessidade urgente de quebrar todas as maldições que pesam sobre a Humanidade.

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