CONCERTO: Orquestra Clássica de Espinho | Fiona Monbet & Jazz Trio
Direcção musical | Fiona Monbet (violino)
Com Auxane Cartigny (piano), Zacharie Abraham (contrabaixo), Philippe Maniez (bateria)
Auditório de Espinho - Academia
20 Dez 2024 | sex | 21:30
No culminar de mais um ano de muita e boa música, o Auditório de Espinho engalanou-se para receber a Orquestra Clássica de Espinho, convidando a violinista, compositora e maestrina Fiona Monbet para assumir a sua direcção. Lançada na música através do jazz, Monbet concluiu os estudos de violino clássico no Conservatório Nacional Superior de Música e Dança de Paris em 2015, abraçando então a área da direcção musical. Curiosamente, foi em Portugal, mais propriamente em Leiria, na Academia de Verão organizada anualmente por Jean-Sébastien Béreau, que Fiona Monbet aprendeu a dirigir e onde conduziu a sua primeira orquestra. Sem demérito para os demais actores de um concerto memorável, foi ela a estrela da noite, pela sua garra e energia, organização e talento. Fosse a solo com o seu violino - a costela irlandesa a mostrar-se em engenho e arte, no forte e ritmado bater do pé -, fosse à frente do trio onde pontificaram o pianista Auxane Cartigny, o contrabaixista Zacharie Abraham e o baterista Philippe Maniez ou na condução de uma orquestra empenhada em dar o melhor de si, Monbet encantou pela simpatia e cumplicidade que estabeleceu com os músicos e que se estendeu a uma plateia totalmente rendida à sua vivacidade e virtuosismo.
“Suite para orquestra de variedades n.º 1”, de Dmitri Shostakovitch, preencheu a primeira parte do programa. Fortemente influenciado pelas obras de Modesto Mussorgsky, Anton Bruckner, Gustav Mahler e Igor Stravinsky, Shostakovitch foi produtor e encenador, para além de compositor versátil e inovador, pianista aclamado e exímio diretor musical. Para orquestra, escreveu quinze sinfonias e cinco concertos. As suas outras composições incluem cantatas e oratórias, sete óperas e operetas, quatro bailados, doze comédias musicais e música para teatro, trinta e seis partituras originais para filmes, quinze quartetos e outras músicas de câmara para piano, violino e violoncelo. Identificada erroneamente durante muitos anos como “Suite para orquestra de jazz n.º 2”, a peça interpretada é composta por oito andamentos e nela sobressai uma forte ligação ao mundo das artes do espectáculo, aspecto reforçado pela familiaridade dos temas e das memórias que associamos aos momentos felizes da infância. Em particular a “Valsa n.º 2” revelou-se (como sempre) preciosa, desafiante na sua complexidade melódica, deslumbrante nas suas nuances rítmicas e na forma equilibrada como relaciona a valsa clássica com outras artes de palco.
Deixando de lado esta quase revisitação de lugares onde fomos (e somos) felizes, Fiona Monbet escolheu brindar-nos com três peças da sua autoria, nas quais é patente a marca classicista de Shostakovich, Ravel e outros autores, mas impregnada de um modernismo que vai beber à tradição e onde se percebe, na fronteira entre o jazz sinfónico e a herança da música francesa, influências irlandesas, tanto na sua escrita como na forma de tocar. “Faubourg 23” constituiu uma longa viagem com início na Paris da “Belle Époque” e fim nas paisagens esmeralda de Galway ou do Donegal. Pelo meio visitamos as densas florestas de Benim ou do Congo, entramos no rebuliço mariachi de Guadalajara e sambamos com os maiores blocos de carnaval do Rio de Janeiro (incrível o mano a mano entre o naipe de percussionistas da orquestra e a bateria de Maniez). Seguiu-se “We All”, um tema aberto à improvisação e que parte do muito nostálgico “Que Reste-t-il de nos Amours?”, de Charles Trenet. “Irish Gospel” fechou o concerto em graça e júbilo, de novo a fusão de estilos a evidenciar-se, a orquestra a abraçar briosamente a sua vocação clássica e a assumir com igual esmero a vertente de big band sempre que foi chamada a fazê-lo, com apontamentos solísticos de enorme qualidade. Surpreendente, fascinante, revigorante, um concerto memorável a fechar o ano em grande estilo.
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