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sexta-feira, 29 de novembro de 2024

EXPOSIÇÃO: "Ricochetes" | Francis Alÿs



EXPOSIÇÃO: “Ricochetes”,
de Francis Alÿs
Curadoria | Florence Ostende
Museu de Arte Contemporânea de Serralves
18 Out 2024 > 16 Mar 2025


Visitar a exposição “Ricochetes” é entrar num espaço de sonho e de magia. É mergulhar num mar de risos e correrias e deixar-se envolver pelo fascínio das brincadeiras das crianças, pela sua capacidade inventiva e generosidade ilimitada, pela partilha, pela amizade. Mesmo nas situações mais duras, o tempo de brincadeiras surge-nos aqui como um tempo de evasão, de cumplicidade e entrega, que traz sorrisos aos lábios e esperança aos corações. Foi isto que senti em cada uma das salas de Serralves pelas quais a exposição de Francis Alÿs se distribui, certo de um sentimento generalizado, de tal forma as expressões nos rostos dos restantes visitantes espelhavam a sua emoção e uma imensa felicidade. “Ricochetes” é o resultado de um trabalho iniciado em 1999, na Cidade do México, onde Alÿs reside desde 1986. Foi nessa imensa metrópole que, rompendo com os seus trabalhos iniciais, deu início à série “Children’s Games”, a qual coloca as crianças no papel de protagonistas. É este o cerne da exposição, uma instalação imersiva feita de múltiplas telas onde vão sendo reproduzidos dezenas de pequenos filmes que retratam o acto de jogar em muitas partes do mundo. Complementando este universo, a exposição apresenta uma vasta selecção de pinturas, trabalhos de animação e espaços especialmente dedicados a actividades lúdicas.

Cidade do México, 1999. Na colina sobre a cidade, um menino pontapeia uma garrafa de plástico meio cheia de líquido, subindo uma rua íngreme feita de luz e sombra. A música que sai de uma casa ou de uma loja espalha-se no ar, enquanto uma camioneta sobe com dificuldade em direcção ao topo. Jogando consigo ou contra si próprio, o menino abraça o desafio de chegar lá acima chutando a garrafa e voltando a chutá-la sempre que ela inverte o rumo. A criança brinca com e contra a gravidade, enquanto a garrafa flutua, desvia-se, ziguezagueia. A certa altura é interceptada por um cão e abocanhada por alguns instantes. No final, as apostas sisíficas do jogo tornam-se claras quando a garrafa foge e, com um gemido, o menino corre atrás dela. Chama-se “Caracoles” e este é o primeiro de quase cinco dezenas de pequenos filmes que compõem a série. Neles encontramos uma série de jogos que nos são familiares, como a dança das cadeiras no México, o jogo do eixo no Iraque, os castelos de areia na Bélgica, o jogo do elástico em França, o saltar à corda em Hong Kong ou as corridas de carrinhos de rolamentos em Cuba. Mas há também o Hopscotch, no campo de refugiados de Sharya, no Iraque, ou o Imbu. O Nzango ou o Kisolo jogados em Tabacongo, na República Democrática do Congo. Todos diferentes, todos iguais.

A assinatura distintiva de Alÿs como pintor é a utilização de óleo sobre tela montada em pequenos painéis de madeira maciça, apenas ligeiramente maiores do que cartões-postais. Iluminadas por intensos feixes de luz, cada obra é uma janela que revela um lugar no tempo, e que pontua o sombrio ambiente cinematográfico dos Jogos Infantis. Pintadas entre 1990 e 2024, estas obras íntimas têm os títulos das cidades por onde Alÿs viajou, registando cenas testemunhadas pelo artista no espaço público. O olhar é cativado pelas figuras –principalmente crianças – no centro das telas, retratadas tanto em grupo como sozinhas. As paisagens exuberantes e as composições urbanas simplificadas aparentam serenidade, enquanto eventos mundiais se desenrolam nestas cenas em miniatura, frequentemente refletindo a resiliência da vida quotidiana em zonas de conflito ou de agitação social. Desde a violência narcótica no México à pandemia de COVID-19, as pinturas são diretamente inspiradas em desenhos e esboços dos cadernos de Alÿs, retratando os contextos geopolíticos dos locais por onde passou. A história do jogo, desde a antiguidade até aos nossos dias, pode ser encontrada numa das salas, com um conjunto de curiosidades que não deixarão ninguém indiferente. E há, ainda, uma bancada onde podemos assistir - e vibrar - com um emotivo jogo de futebol em Mossul, no Norte do Iraque. 

[Todos os filmes desta série são do domínio público e podem ser vistos em https://francisalys.com/category/childrens-games/]

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