CINEMA: Shortcutz Ovar Sessão #89
Apresentação | Tiago Alves
Organização | Tiago Alves, Ana Castro, Rita Capucho
Com | Maria Hespanhol, David Ferreira, Basil da Cunha e Eliana Rosa
150 Minutos | Maiores de 14 anos
Escola de Artes e Ofícios
28 Nov 2024 | qui | 21:30
Encerrou em alta a oitava temporada do Shortcutz Ovar. Entre o último dia de Fevereiro e a noite da passada quinta-feira, o certame contou com a exibição, na acolhedora Sala Expande da Escola de Artes e Ofícios, de vinte e quatro curtas-metragens, explorando os mais variados géneros e formatos e oferecendo uma visão concreta e particularmente estimulante da enorme qualidade e diversidade que se reconhece no panorama do actual cinema português. Se disto dúvidas houvesse, a derradeira sessão do Shortcutz Ovar aí estaria para as desfazer mediante a apresentação de três extraordinárias propostas - uma ficção, uma ficção documental e um filme de imagem animada. Sem a “casa cheia” habitual, a sessão contou com o público de sempre, conhecedor, entusiasta e mais participativo que nunca, contribuindo para fazer dos espaços de conversa momentos enriquecedores de saber e partilha. Público que saudou Rosa Aldina Valente como o espectador #1000 da temporada Shortcutz e se dispôs a viver intensamente uma sessão que teve nos caminhos desencontrados de todas as vidas - no amor, no trabalho, na família ou no bairro - o seu assunto maior.
Maria Hespanhol e “A Rapariga de Olhos Grandes e o Rapaz de Pernas Compridas” abriram a sessão com um trabalho de animação em stop motion absolutamente fascinante. Com argumento de Maria Hespanhol, animação de Rita Sampaio e a narração de Ivo Canelas, o filme leva-nos ao encontro de uma história marcada pelos encontros e desencontros de uma rapariga com tanto para dizer e muito pouco para escrever e um rapaz com muito para escrever e nada para dizer. História de um amor impossível - “talvez a mais romântica das 24 curtas exibidas em 2024”, aventou o “mestre de cerimónias” Tiago Alves -, o filme vive de cenários e adereços fabulosos que servem de pano de fundo a uma história extraordinariamente bem contada, terna e nostálgica à vez, que põe o espectador a suspirar e a desejar “quebrar o feitiço”, juntando dois seres que parecem fadados para viverem ao lado um do outro, mas que teimam em desacertar os passos.
“Campos Belos”, de David Ferreira, com Alberto Pinheiro Ribeiro, Diogo Silva Barbosa, Egídio Peixoto e Maria Luísa Gomes nos principais papéis, foi a segunda curta-metragem exibida. Nela se dá conta do viver em Campelos, povoação do Município de Guimarães marcada pela profunda crise têxtil que deixou feridas fundas no seu tecido social e económico e mudou para sempre a face do Vale do Ave. Operário fabril ligado à indústria têxtil e aos plásticos, profundo conhecedor da realidade deste pequeno mundo em mutação, David Ferreira oferece-nos uma história de fragilidades e resignação, magistralmente expressa na redacção de uma criança sobre uma menina que queria ser uma maçã e que, ao perceber os riscos que a situação acarretava (poder vir a ser comida pela própria mãe, por exemplo), desiste da ideia e só quer voltar a ser menina. A curta sequência de planos montados para parecerem um só, põe em evidência a marcha inexorável do tempo e mostra o quão monótona e desinteressante pode ser a vida quando esvaziada de sonho.
Para o final da sessão estava reservado “2720” - o título remete para o código postal da Amadora -, curta de ficção de Basil da Cunha, realizador que divide a sua prática entre a Suíça, onde nasceu, e Portugal, onde vive e filma. Com um elenco encabeçado por Jason Varela e Camila Diniz, o filme mergulha o espectador no quotidiano de um bairro clandestino da Reboleira, com as suas labirínticas ruelas e becos, as suas escadas íngremes, mas também a harmonia entre as suas gentes e a solidariedade que demonstram num bairro onde “não há miséria, só dificuldades” e onde “corre tudo bem até chegar a polícia”. Umbilicalmente ligado a “O Fim do Mundo” e “Manga d’Terra”, as duas anteriores longas-metragens do realizador, “2720” tem um invulgar cunho de actualidade e constitui, assumidamente, uma homenagem ao bairro, um espaço criado pelas pessoas e para as pessoas, cada vez mais ameaçado e em vias de extinção. Além da dimensão documental do cinema de Basil da Cunha, é visível a urgência em denunciar uma situação de injustiça social, que insulta aos valores da liberdade e da democracia num país que assiste ao crescimento descontrolado do racismo estrutural. Eleito pelo público Shortcutz como melhor filme da sessão, candidato aos Prémios do Cinema Europeu 2024 na categoria de Melhor Curta-Metragem, “2027” é um filme poderoso, intenso, vibrante, uma carta de amor ao bairro, um hino de amor ao Cinema.
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