Páginas

quinta-feira, 14 de novembro de 2024

CONCERTO: "La Capriola"



CONCERTO: La Capriola
Camille Fritsch, Charlotte Gerbitz, Dorine Lepeltier-Kovács e Manon Papasergio
Auditório de Espinho – Academia
10 Nov 2024 | dom | 18:00


Movimento de renovação nos planos económico, religioso, social, cultural e político, o Renascimento teve início em Itália no século XV e prolongou-se até finais do século XVI. A verdadeira revolução deu-se em Florença, mas cidades como Milão, Roma, Génova, Urbino, Verona, Ferrara ou Veneza conheceram igualmente um grande desenvolvimento intelectual e artístico neste período. Foi um tempo de redescoberta da Antiguidade Clássica, de desenvolvimento do conceito de humanismo e da crença na vida activa em vez da contemplativa, com o progressivo abandono de uma perspectiva teocêntrica e a adopção de uma visão centrada no Homem. Em Veneza, na Basílica de São Marcos, a Capella Marciana foi criada no início do século XIV e logo se tornou o centro da vida musical veneziana. Aqui os compositores renascentistas souberam focar-se em novas cadências harmónicas, na introdução de linhas melódicas independentes e interligadas e no embelezamento das composições com várias formas de ornamentação e suspensão, preparando o cenário para a música ousada, dinâmica e fortemente cromática do período barroco que viria a seguir.

Foi esta nova forma de conectar a música e a palavra, fazendo evoluir novas concepções musicais com o recurso a técnicas instrumentais inovadoras, que o Consort La Capriola – Camille Fritsch (voz), Charlotte Gerbitz (violino e viola), Dorine Lepeltier-Kovács (violino tenor) e Manon Papasergio (violino baixo e harpa dupla) – trouxe ao Auditório de Espinho, ao final da tarde do passado domingo. Levados numa viagem feita de ousadia e desafio mútuo, os espectadores viveram e sentiram a adequação de uma música inovadora à magnificência do templo que a viu nascer. Fazendo do concerto um tempo de convívio entre o amor e a bondade do sagrado e o escárnio e maldizer do profano, o ensemble quis demonstrar a fusão entre o humano e o divino através da música, abrindo diálogos com a Terra, a Água, o Ar e o Fogo, densos e leves à vez, e oferendo ao público novos espaços, novos contextos e novas formas de reviver o Renascimento.

Constituído por quatro talentosas intérpretes, o Consort La Capriola teve para oferecer um conjunto de peças de compositores que participaram activamente na vida musical da Capella Marciana, revisitando um período particularmente vibrante, atractivo e inovador da história da música. Dando a escutar obras de Adrian Willaert, Claudio Merulo, Andrea Gabrieli, Claudio Monteverdi, Cipriano de Rore, Girolamo Dalla Casa, Giovanni Bassano, Francesco Dalla Viola e Giovanni Battista Bovicelli, o agrupamento fez reviver práticas antigas como o Ensemble de Violinos, formação praticamente esquecida, mas que teve no período da Renascença o seu apogeu. Além disso, ofereceu aos presentes a possibilidade de escutar a sonoridade de uma verdadeira raridade como é o caso da harpa dupla. Lançando mão das múltiplas combinações entre os seus quatro elementos, ou em simples apontamentos solísticos, La Capriola soube ser sinónimo de equilíbrio, cumplicidade e atenção mútua. E partilha, importa dizer, não apenas na “voz” dos instrumentos, mas também na voz de Camille Fritsch, cuja presença, expressividade e qualidade interpretativa não deixaram ninguém indiferente.

Sem comentários:

Enviar um comentário