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sábado, 19 de outubro de 2024

CONCERTOS & CONVERSAS: OVAR EXPANDE 2024 (II)



CONCERTOS & CONVERSAS: Ovar Expande 2024
Com André Tentúgal, Bardino, Gil Godinho, Jaime Valente, Margarida Campelo, Rui Martins e Sara Cruz
Escola de Artes e Ofícios
18 Out 2024 | sex | 10:30, 18:30 e 21:30


Arrancou durante a manhã com André Tentúgal a orientar a masterclass “Música e Cinema”, prosseguiu ao final da tarde com uma conversa que, entre a música e o cinema, se expandiu também à rádio, e terminou com dose tripla de concertos, num serão que se prolongou muito para lá da meia-noite. Foi este o “alinhamento” do terceiro dia do OVAR EXPANDE, um dia repleto de momentos de alta intensidade e que voltou a dar ao público a possibilidade de perceber o quanto de ousadia, criatividade, energia e talento se abriga na nova música portuguesa. Da conversa que Gil Godinho manteve com Rui Martins (do colectivo Bardino), Sara Cruz e Margarida Campelo, artistas que viriam a subir ao palco horas mais tarde, e ainda com o radialista Jaime Valente, reflectiu-se sobre a forte ligação entre a imagem e a música em termos de promoção artística, vincando-se a importância da rádio na divulgação dos artistas e dos seus trabalhos. O cantor como actor, a má música que nenhum vídeo salva ou a certeza de que o vídeo, ao invés de matar a rádio, criou ambientes propícios a que esta se reinventasse e revitalizasse, foram tópicos de uma conversa viva e enriquecedora a abrir espaço a uma noite de muita e boa música.

Naquele que foi o primeiro grande momento da noite, o colectivo portuense Bardino subiu ao palco para apresentar “Memória da Pedra Mãe”, um trabalho editado no final de Fevereiro com o carimbo da Jazzego. Com Rui Martins nos teclados, Diogo Silva no baixo, Rafael Gomes no saxofone e Nuno Fulgêncio na bateria, a banda ensaiou uma viagem por lugares extremos, onde o etéreo e o telúrico se fundem em energia e beleza. A “Pedra Mãe” - uma alegoria inspirada nas pedras parideiras, fenómeno geológico raro que acontece aqui bem perto, na Serra da Freita - funciona como um catalisador de memórias, dispostas em temas com os sugestivos nomes de “Giesta” ou “Tília”, “Fumo” ou “O Semeador”. Nas múltiplas camadas de que se reveste a música dos Bardino, percebem-se as cores da mais elementar matéria, cuja pureza e a dureza confluem num mundo subterrâneo, insólito e ameaçador. Entre o rock e a electrónica, a música dos Bardino abre igualmente espaço ao Jazz, numa salutar linha de experimentação que desafia convenções e desvenda novos horizontes. Um belíssimo concerto, a predispor para uma noite com muito ainda para oferecer.

As convulsões do magma e a violência dos fenómenos eruptivos, tão presentes na música dos Bardino, estendem a viagem até S. Miguel. Açoreana de gema, Sara Cruz abre-nos as portas da sua ilha com “Fourteen Forty-Five”, um trabalho com a chancela da Locomotiva Azul acabadinho de publicar. Também aqui, é intensa a ligação entre o etéreo e o telúrico, embora estejamos muito longe dos mistérios crus e densos que se abrigam nas profundezas, como sugerido no momento anterior. Inspirada, feita de leveza e fantasia, a música de Sara Cruz convoca as paisagens verdes e azuis das ilhas, o ondulado das suas colinas, os caminhos bordejados de hortênsias, os pastos da erva mais verde que se estendem a perder de vista. É nos caminhos da pop que os temas se expandem, tirando o melhor partido da bonita voz da cantora e do ambiente acústico que a sua viola proporciona, muito bem acompanhada em palco pela viola de Miguel Garcia e pela bateria de Francisco Santos. Rompendo com a hegemonia da música inglesa nos temas que compõem o disco, Sara Cruz trouxe-nos “Na Ponta da Madrugada”, um tema que integrou o projecto dos picarotos “Mar e Ilha” e que é cantado na língua de Camões. Um momento que acrescentou beleza a um concerto intimista e de uma grande sinceridade.

No sobe e desce entre a Sala Galeria e a Sala Expande da Escola de Artes e Ofícios, a ideia da viagem prolongou-se com Margarida Campelo a assumir o último momento da noite. Acompanhada por Raquel Pimpão (teclas), João Correia (bateria) e António Quintino (baixo eléctrico), a cantora apresentou “Supermarket Joy”, o seu primeiro trabalho a solo, publicado em Maio de 2023 pela Discos Submarinos. Com “Maegaki”, as primeiras notas elevam-nos no ar, as sucessivas vagas sonoras e os loops vocais a convocarem o espaço sideral. A batida forte não se faz esperar e, com ela, uma descida abrupta à superfície das águas com “Physali Fit” em dose dupla, um tema que conjuga na perfeição as vertentes instrumental e coral. Está dado o mote para um concerto marcado por um registo “entre terra e céu”, com momentos verdadeiramente impactantes como aquele rap de Raquel Pimpão em “Mapa Astral” ou o solo intenso de Margarida Campelo em “Aura de Panda”. “Tropicais”, “Gemma”, “Deusa”, Love Will Never Be Enough ou “Mexe-te Mais um Pouco”, levaram-nos por caminhos da pop, mas também do R&B, da Bossa Nova, da Soul e do Jazz, numa paleta de géneros eclética e de um bom gosto inexcedível. O final perfeito de um dia feliz no OVAR EXPANDE.

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