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quarta-feira, 10 de julho de 2024

LUGARES: Ala Álvaro Siza do Museu de Serralves



LUGARES: Ala Álvaro Siza do Museu de Serralves
Open House Porto 2024
Visita comentada por António Choupina
06 Jul 2024 | sab | 11:30


A nova ala do Museu de Arte Contemporânea de Serralves abriu ao público em Outubro passado, e recebeu o nome Ala Álvaro Siza em homenagem ao arquitecto, embora “Ala Poente” fosse uma designação que colhia mais a sua simpatia. Em Serralves, Álvaro Siza desenhou o Museu de Arte Contemporânea, em 1999; a Casa do Cinema Manoel de Oliveira, em 2019; a Casa dos Jardineiros, em 2021; foi responsável pela recuperação da Casa de Serralves, em 2021; e desenhou a nova ampliação do Museu, em 2023. A nova ala tem três pisos e cerca de 4.200 m2 de construção, o que representa um aumento da área expositiva em 44% e um aumento de 75% da área de arquivo. Esta ampliação é tanto mais oportuna quanto é sabido que o museu colhe cada vez mais o interesse de um publico diversificado e interessado, tendo sido visitado por mais de um milhão e cem mil pessoas no ano passado, ao passo que em 1999, o ano da sua abertura, o número de visitantes se quedara nos oitenta mil.

Organizada através de um percurso desde o jardim até à nova ala, de forma a promover uma leitura da notável integração do edifício no Parque de Serralves, a visita constituiu-se parte integrante da 9ª edição do Open House Porto e foi comentada por uma personalidade muito próxima de Álvaro Siza, o Arquitecto António Choupina. Através da sua perspetiva, a Ala Álvaro Siza do Museu de Serralves revelou-se como uma espécie de passado futuro, com o visitante a investir-se no papel de arqueólogo e a partir em busca de vestígios no tempo, de evidências (i)materiais, de (re)imaginar o evidente. Fundando, de novo, uma qualquer “porta para o inacessível jardim do Éden” na floresta primordial do Parque de Serralves, Choupina teve o mérito de, numa linguagem simples, saber lançar luz sobre essas ligações latentes e subconscientes através dos padrões geométricos e conceitos espaciais de Siza, onde se cruzam, entre outras, noções de Antiguidade, Barroco e Construtivismo.

A Ala Álvaro Siza é um edifício simples na sua aparência, que não se impõe, que não pretende ser um gesto arquitectónico imponente, mas sim uma expressão de crescimento natural, como um novo ramo que cresce a partir de uma árvore. Percorrendo o espaço recém-inaugurado, o visitante começa por observar um trecho do Parque através de uma enorme janela que se abre na ponte de ligação entre o edifício primitivo e a nova ala. O respeito pela natureza é o primeiro grande ensinamento desta verdadeira aula de arquitectura, ficando o visitante a saber que o edifício “se torce ligeiramente”, precisamente para não tocar em nenhuma das árvores. A própria ponte é uma solução que segue nesta linha, evitando-se assim a necessidade de fundações que feririam as raízes de duas árvores centenárias e levariam à sua morte (o custo final da obra foi 20% superior ao previsto devido a medidas de protecção da natureza e paisagem envolvente ao novo edifício).

À medida que se avança ao longo dos vários “módulos”, os pormenores arquitectónicos não cessam de desafiar o visitante, destacando-se como “peças admiráveis” em diálogo com as muitas obras que integram as duas exposições ali patentes: “Anagramas improváveis. Obras da Coleção de Serralves” e “C.A.S.A. - Coleção Álvaro Siza. Arquivo”. A sequência de passagens estreitas que se abrem para salas enormes convoca efeitos de contração e expansão geradores de surpresa e espanto no visitante. A diferença entre pisos de madeira e de pedra definem confluências num jogo de chegadas e partidas. Os espaços que devem permanecer vazios, para que neles se percebam conceitos como o de “simetria invertida”, tão caro a Álvaro Siza. As lógicas do centro presente, do centro ausente, do centro desfasado, tão presentes em todo o projecto. A espacialidade oblíqua que nos obriga a ver tudo em perspectiva. A iluminação que, para além de ser um factor de sustentabilidade, se preocupa com a criação de ilusões de óptica que põem em relevo os elementos geométricos do conjunto.

Desce-se ao piso inferior por uma escada com iguais dimensões à daquela existente no corpo nascente do Museu de Serralves e, contudo, tão “diferente” para quem teve já a possibilidade de percorrer as duas. Estamos, então, no piso térreo da Ala Siza Vieira, no qual está patente ao público a maior concentração global de projetos sizianos e que incluem um amplo espectro de projetos para lá dos muros de Serralves. Estão neste caso as Casas de Cultura, do Conhecimento, de Fé, de Lazer, de Comércio, de Família, do Povo e de Trabalho. Com curadoria de António Choupina e coordenação de Sónia Oliveira, a mostra dá a ver desenhos, maquetes e fotografias de edifícios tão emblemáticos como as Quatro Casas ou o Bairro de S. Vitor, a Cooperativa de Lordelo do Ouro ou a Piscina da Quinta da Conceição, os edifícios da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto ou a Casa Armanda Passos. E há ainda os desenhos com o seu traço inconfundível, pinturas ilustrativas de vários momentos da sua carreira, esculturas minimalistas, objectos particulares e projectos (muitos) que nunca chegaram a ver a luz do dia. Uma visita aberta à descoberta e que importa repetir.

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