LIVRO: “25 de Abril de 1974, Quinta-feira”
Fotografia e coordenação | Alfredo Cunha
Textos | Carlos de Matos Gomes, Adelino Gomes, Fernando Rosas
Gravuras | Alexandre Farto / Vhils
Prefácio | Luís Pedro Nunes
Ed. Edições Tinta-da-china, Dezembro de 2023
“Estou na Amadora, são 3 e tal da manhã e ouço pela primeira vez na vida o ‘Riders in the Storm’, dos Doors. Lá para as 4 e tal começam a dizer que algo se está a passar em Lisboa. Visto-me e decido ir para o Século. Vou para a estação. Passo pelo bairro de lata da Falagueira, uma das vistas mais miseráveis dos subúrbios de Lisboa e que tenho fotografado nos últimos anos. Chegado à estação do Rossio, corro até ao Bairro Alto, à redação do Século, e saco o maior número de rolos possível. Uns 40. São umas 6 da manhã. Está lá o Mário Zambujal, que destaca o jornalista Mário Contumélias e a mim para seguirmos para o Terreiro do Paço. Só lá para as 9 e tal é que tenho a primeira conversa com o Salgueiro Maia. Vê-me fotografar e pergunta-me o que estou ali a fazer. Digo que sou do Século. Pergunta-me se sou dos deste lado ou dos outros. Não sei bem o que dizer e respondo que estou ali daquele lado a fotografar. Então ele diz-me para passar a barreira e não ficar escondido.”
Todos temos o nosso 25 de Abril. Eu, com os meus 13 anos à data, como os muitos que eram vivos na altura e mesmo aqueles que só viriam a nascer depois. Do meu posso falar sem esforço, de tal forma precisas são ainda as imagens na minha memória: O levantar às 8 e ver o pai “com cara de caso” a dizer que aconteceu qualquer coisa “lá para Lisboa”. A Emissora Nacional que só transmitia música clássica (“música fúnebre”, dizia a minha mãe). Um dia de aulas que teria sido normal não fora um ou outro colega mais expedito repetir, grosso modo, aquilo que os seus pais, como o meu, terão dito às 8 da manhã depois de escutar a rádio. Um secretismo enorme à hora do almoço e os pais calados às muitas questões que lhes ia colocando. E, finalmente, com o sol a pôr-se, a explosão de alegria do vizinho Silva, a correr que nem um louco na viela por detrás do prédio, aos gritos de “Viva a Liberdade”, que fazia acompanhar com um salto como se fosse o Eusébio a celebrar mais um golo. Nos dias seguintes, então, falou-se abertamente de uma palavra que desconhecia até então: Política. É dela que me lembro, das suas histórias, do seu fascínio, dos seus agentes, que viria a acompanhar a partir de então com redobrado interesse. Tudo isso bebido em conversas na escola, em casa ou no café, ou lido no Jornal do Comércio, “O Diário Mais Antigo do País”, e que no dia 26 de Abril proclamava, a toda a largura da primeira página: “O governo rendeu-se incondicionalmente ao General António de Spínola que preside à Junta de Salvação Nacional”.
A máquina do tempo leva-nos, pelas mais variadas razões, aos muitos 25 de Abril que se abrigam no peito de cada um. Alguns há que, sendo de um, são de muitos, de tal forma projectaram no imaginário colectivo a memória de um tempo de euforia, fazendo com que vivêssemos cada momento como se fosse também nosso. O 25 de Abril do fotojornalista Alfredo Cunha é um deles. Muitas das imagens que registou desse “dia inicial inteiro e limpo” tornaram-se símbolos da nossa liberdade. São icónicas as fotografias que fez de Salgueiro Maia e da sua coluna, bem como dos momentos-chave da revolução vividos no Terreiro do Paço ou no Largo do Carmo. Em 50 anos de vida em democracia, nas mais variadas circunstâncias, cruzámo-nos com essas imagens dezenas de vezes, descobrindo-lhes novos sentidos, novas verdades. Nesses momentos, de redobrada admiração, a emoção tocou-nos sempre (e estou certo que continuará a tocar). Por isso, ao passar as páginas uma a uma deste “25 de Abril de 1974, Quinta-feira”, faço-o pausadamente, quase de forma reverencial, sentindo em cada fotografia um reencontro com uma história que me é grata e me traz, acima de tudo, as mais felizes memórias.
No prefácio ao livro, da autoria de Luís Pedro Nunes, lemos que “[este livro é] um testemunho que pretende ser um exercício se não de total objetividade, pelo menos de sinceridade”. Meio século depois do 25 de Abril, o livro representa o encontro do olhar de Alfredo Cunha, presente em quase todos os momentos do dia e dos meses que se seguiram, com o olhar de Carlos Matos Gomes, um dos capitães de Abril, o olhar do repórter Adelino Gomes, “que perante o desenrolar dos acontecimentos marca o momento em que nasce a liberdade de expressão, ao conseguir um microfone emprestado para colocar a revolução no ar” e o do activista na clandestinidade, Fernando Rosas, hoje historiador jubilado. Juntos, analisam o “momento zero” do dia primeiro, o seu desenrolar, os antecedentes, a conjuntura e as ondas de choque que se seguiram e que tiveram um impacto profundo na sociedade portuguesa, nomeadamente com as descolonizações e a chegada dos “retornados” a um país em convulsão, ou com os momentos críticos em que Portugal podia ter caído numa guerra civil. “E pediram a Vhils para selar esta obra, como se se tratasse de uma cápsula feita para enviar para o futuro, para ser lida e vivida, dado ter sido escrita e fotografada por quem viveu apaixonadamente uma revolução, mas, 50 anos depois, se prestou a depositar aqui o seu testemunho analítico”. Serão necessárias mais referências para vermos neste um livro essencial da nossa história e da nossa vida?
[O livro é uma edição especial, em grande formato e capa dura e a reprodução da capa (Alfredo Cunha e Vhils) tem impressão fotográfica (42x60 cm). Cada exemplar do livro é autografado por Alfredo Cunha e contém uma fotografia de Salgueiro Maia, impressa em papel premium, com selo branco assinado (21x29,7 cm). Venda exclusiva no site da Tinta-da-china, em https://tintadachina.pt/]
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