EXPOSIÇÃO: “Mutantes”
Vários Artistas
Colecção Treger Saint Silvestre
Curadoria | Andreia Magalhães
Centro de Arte Oliva
28 Jun 2024 > 27 Abr 2025
A Colecção de Arte Bruta –Treger Saint Silvestre, em depósito no Centro de Arte Oliva, é um manancial inesgotável de surpresa e fascínio. Independentemente dos ângulos sob os quais possam ser observadas, as cerca de mil e quinhentas obras de mais de trezentos e cinquenta artistas que nela se reúnem congregam princípios e valores que as ligam entre si e as tornam atractivas de um ponto de vista artístico e humano. Com curadoria de Andreia Magalhães, “Mutantes” volta a impressionar pela forma como aborda a colecção, reunindo animais, plantas e seres orgânicos imaginários que se abrem em mistério e sedução ao olhar do visitante. Rãs com asas, dragões, sereias, criaturas dançantes, policéfalas e híbridas, animais-camuflagem e metamorfoses botânicas, são espécies de um outro mundo que agora habitam o Centro de Arte Oliva. Neste “mundo natural” psicadélico e ficcionado, com entes saídos de fábulas, mitos e visões mágicas, é-nos apresentada uma ecologia alternativa que nos faz pensar sobre a nossa própria condição de seres vivos.
“Porquê Olhar os Animais?”, o ensaio que dá título a uma reunião de textos de John Berger, reflete sobre a degradação da nossa relação com a natureza. Em particular, fala-nos sobre a redução dos animais — outrora centrais e não separados da existência humana — à categoria de espectáculo ou produto de consumo, relembrando-nos de como, no passado, “os animais entraram na nossa imaginação como mensageiros e promessas”. Ainda mantemos espécies de estimação e visitamos jardins zoológicos, mas “o olhar entre o animal e o homem, que possivelmente teve um papel crucial no desenvolvimento da sociedade humana, e com o qual, em todo caso, todo ser humano convivia até um século atrás, extinguiu-se”. Este foi o ponto de partida para “Mutantes”, que se expandiu naturalmente para incluir a botânica imaginária. “Sopa Primordial”, “Casulos e Metamorfoses”, “Voadores e Flutuantes”, “Outros Mundos” ou “Formas de Vida Interligadas”, são apenas alguns núcleos onde se abrigam trabalhos, alguns deles sobejamente conhecidos, de artistas como Guo Fengyi, Jaber, Moset, Johann Garber ou Anna Zemánková.
A percepção deriva, sem se fixar, muda. Também fala e não está garantida que sejam as nossas vozes que se ouvem. Dado o tema – o da mutação – importa entrar no jogo das variações, do tornar-se isto e aquilo, no “sem nome”, no curioso, no estranho, no trânsito das formas. Durante a permanência da exposição, decorre a instalação no espaço do projecto “As Sementes Discordantes de Coisas Desconexas”, que funciona como um laboratório que abrange um diversificado programa de actividades públicas. O motivo certo para o acto criativo no seu momento caótico, em formação, onde as sementes discordam dos reinos, das classes e das ordens. Que a natureza, se é dela que falamos, tenha ocupado na história da representação a posição de fundo, desconhecida, indiferente, outra, justificada pela figura, sempre humana, durante “Mutantes”, nas ações de mediação, entra-se no ciclo das metamorfoses: passar aquele fundo a figura, seguindo as pistas que as criaturas de “Mutantes” nos deixam, indícios das zonas de risco e do perigar da imaginação que abre caminho para a imprevisibilidade dos encontros e dos processos.
[Texto baseado na Folha de Sala da exposição]
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