LIVRO: “Oriente Próximo”,
de Alexandra Lucas Coelho
Ed. Editorial Caminho, Outubro de 2007 (2ª. edição, Janeiro de 2024)
“Não sou uma pacifista. Contra a ocupação militar temos direito à resistência armada, de acordo com a lei internacional. Mas a luta armada, quando cresci, não era acções contra civis, mas contra o exército. Violência contra civis, não. Acho muito triste que tenhamos tomado a linguagem dos opressores. Quanto mais sei sobre a Palestina, mais tenho a certeza que era uma sociedade pacífica e gentil, de agricultura, comunitária. As oliveiras eram um esforço comunitário. E a Palestina perdeu e perdeu e perdeu. Quando Israel estava a construir este país, com bombas e tanques, os palestinianos ainda andavam com rebanhos, a colher azeitonas. Não estou interessada em adquirir a linguagem do opressor.”
“Oriente Próximo” é sobre judeus de canudos nas orelhas, chapéus de pelo como os trisavós no império russo e telemóveis de última geração; soldados bronzeados de óculos Dolce & Gabanna a beijarem soldadas bronzeadas de óculos Linda Farrow Vintage, ambos de M16 ao ombro; uma orquestra de músicos israelitas e árabes que se encontram como iguais perante Beethoven; um Hyundai dourado entre carcaças amolgadas no centro de Ramallah; a maior vela do mundo de Hanukkah; os heterónimos de Pessoa traduzidos para hebraico; a melhor focaccia com alecrim de Jerusalém. Mas também sobre a dor sem medo de uma pedra atirada contra um tanque; milhares de oliveiras destruídas para que os colonatos se possam expandir; checkpoints que são o primado da humilhação; campos de refugiados onde milhares vivem em condições sub-humanas; aviões que quebram a barreira do som sobre as casas às três da manhã; crianças que correm a recolher fragmentos fumegantes de obuses acabados de cair; o olhar opaco de uma mãe cujo filho de vinte anos se fez explodir matando seis israelitas.
Numa altura em que um novo capítulo do secular conflito entre Israel e Palestina mantém o assunto na ordem do dia, a reedição de “Oriente Próximo” mostra-se particularmente oportuna. Publicado originalmente em Outubro de 2007, o livro detalha o viver e sentir de israelitas e palestinianos, face ao clima de constante conflitualidade em que se encontram mergulhados. À luz daquilo que vamos sabendo sobre a situação na Faixa de Gaza – os últimos nove meses de ofensiva israelita saldam-se em mais de trinta e cinco mil mortos, oitenta e seis mil feridos e uma crise humanitária sem precedentes –, o livro é revelador de princípios e valores que sustentam as diferentes tomadas de posição, ao mesmo tempo mostrando que, sendo muito aquilo que separa os lados em conflito, será muito mais o que os aproxima. Um paradoxo em parte explicado pelo apoio dos Estados Unidos à sede expansionista de Telavive, com o silêncio cúmplice da Europa e a ineficácia da ONU em fazer valer declarações e acordos. É tudo isto que Alexandra Lucas Coelho nos oferece, numa escrita atenta e esclarecida, que recusa eufemismos e não recua perante a verdade dos factos.
Resultado de várias estadias como jornalista em Israel e nos Territórios Palestinianos Ocupados em viagens a partir de 2002, e em 2005-2006 como correspondente do Público, “Oriente Próximo” vai alternando entre a reportagem e a entrevista, dando a ver uma gama o mais ampla possível de pontos de vista de um e do outro lado do conflito. Aquilo que Alexandra Lucas Coelho faz é montar um autêntico puzzle. Missão impossível, digo eu, num quadro de absoluta complexidade, com um sem número de peças que não encaixam, mas não por inabilidade da autora. Prepare-se o leitor para uma escrita musculada, interventiva e exigente, um convite a ligar as pontas do multissecular “novelo”, na certeza de que muitas outras irão surgir para lá do livro. Janela aberta sobre territórios repetidamente flagelados, “Oriente Próximo” não julga, não sentencia, não dá palpites. Mas reafirma a certeza que não é possível encontrar uma solução para o conflito com mais guerra e mais horror.
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