TEATRO: “Guião para um País Possível”
Dramaturgia e encenação | Sara Barros Leitão
Interpretação | João Melo, Margarida Carvalho
Desenho de luz | Cárin Geada
Composição musical | Pedro João
Figurinos | Cristina Cunha
Concepção de cenografia | António Quaresma, Susete Rebelo
Produção | Cassandra
Duração 100 minutos | Maiores de 12 Anos
Fábrica das Ideias, Gafanha da Nazaré
20 Jan 2024 | sab | 21:30
“O principal risco para a democracia não está nos autoritários, que serão sempre uma minoria, está naqueles que lhes quiserem dar a mão”. As palavras do deputado do partido Livre, Rui Tavares, durante as cerimónias no Parlamento do 49º aniversário do 25 de Abril, foram as primeiras de muitas que ajudaram a dar forma a este “Guião para um País Possível”. Escrita e encenada por Sara Barros Leitão e interpretada por João Melo e Margarida Carvalho, a peça foi levada à cena na Gafanha da Nazaré, em noite de casa cheia (e com o Presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, a assistir na plateia), transformando o bonito e bem cuidado espaço da Fábrica das Ideias na Casa da democracia. Ali recordámos debates e votações, discursos e intervenções, apartes e insinuações, insubordinações e gestos pouco ortodoxos. Ali revisitámos momentos marcantes da vida democrática do nosso país, cruzámos os nossos passos com os de tribunos ilustres, acompanhámos a “dança das cadeiras” e percebemos o impacto que a aprovação das leis pode ter no nosso dia-a-dia em matéria de direitos sociais, laborais e humanos.
O propósito de “Guião para um País Possível” não é o de propor um balanço do que foram os últimos cinquenta anos da nossa democracia, antes ajudar-nos a olhar para o que foi feito – por quem, de que forma, com que fins, a que preço – e pedir que façamos o nosso próprio juízo. Portanto, nada melhor do que mergulharmos no espaço do hemiciclo e, guiados por dois funcionários que têm por missão transcrever tudo o que ali é dito, recordarmos episódios recentes e menos recentes da vida parlamentar. Construída em “flashback”, a peça recupera o abandono do plenário pela bancada do partido de extrema-direita, a votação da declaração do Estado de Emergência graças à COVID-19, os “presentes no sapatinho” de Assunção Cristas e António Costa, a reposição dos feriados e outros direitos sociais pela “geringonça”, um aceso debate entre Pedro Passos Coelho e António Costa, as corrosivas intervenções da deputada Natália Correia ou a despedida emocionada da deputada Odete Santos. Ou ainda, tumultos nas galerias, o cerco ao Parlamento ou a primeira sessão plenária após as eleições livres de 25 de Abril de 1976.
Inteligentemente desenhada, com uma forte componente didática e uma interpretação notável de João Melo e Margarida Carvalho, a peça é um repositório de momentos que muitos saberão reconhecer. Com grande entrega e rigor, os actores vão desenrolando o novelo da História e espalhando “tesourinhos” pela sala, mostrando o quanto a generosidade, a inteligência e a argúcia são fundamentos do combate político, tal como a hipocrisia, a mentira e a falta de escrúpulos. A rábula em que, entre incentivos e apupos, os políticos se “mimam” com os mais variados epítetos – “malcriado”, “é só conversa”, “está a delirar”, “caiu-lhe a máscara”, “trapaceiro”, “fascista é a tua mãe”, “olhe, vá à merda” – resulta numa divertida “peixeirada” que arrancou ao público saborosas gargalhadas. Por outro lado, calou fundo na plateia o discurso do deputado Santinho Pacheco a propósito do chumbo à lei da Eutanásia. Genial, o final traz-nos os ecos de “E Depois do Adeus”, uma das senhas da Revolução, enquanto mostra o princípio do fim do Estado Novo graças a um adereço que se desconjunta. Um “Guião” imperdível, uma bela e sentida homenagem aos cinquenta anos do 25 de Abril!
[Foto: ©Teresa Pacheco Miranda | https://www.cassandra.pt/guiao-para-um-pais-possivel]
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