CINEMA: “Anselm – O Som do Tempo” / “Anselm - Das Rauschen der Zeit”
Realização | Wim Wenders
Fotografia | Franz Lustig
Musica | Leonard Küßner
Montagem | Maxine Goedicke
Interpretação | Anselm Kiefer, Daniel Kiefer, Anton Wenders, Ingeborg Bachmann, Joseph Beuys, Paul Celan, Martin Heidegger
Produção | Karsten Brünig
Alemanha | 2023 | Documentário | 93 Minutos | Maiores de 14 Anos
UCI Arrábida 20 - Sala 14
10 Jan 2024 | qua | 16:15
As primeiras imagens de “Anselm – O Som do Tempo” oferecem-nos uma visão deslumbrante da instalação “Die Frauen Der Antike”, um vasto conjunto de esculturas em vestido de noiva da autoria do artista plástico Anders Kiefer. Encontramos esses numerosos bustos espalhados por um caminho labiríntico como o fio de Ariadne, onde os títulos são na sua grande maioria nomes de mulheres. Através destas mulheres, o artista denuncia a ocultação do feminino na História da Humanidade e faz-nos chegar as suas vozes imaginárias num sussurro, dando a escutar a sua mensagem: “Podemos ser rejeitadas e esquecidas, mas não nos esquecemos de nada”. A instalação serve de suporte visual ao documentário, promovendo o encontro com a vida e obra de Kiefer, mas estas imagens iniciais serve sobretudo de “carta de intenções”, avisando que este é um trabalho “ao correr do tempo” e que o objecto artístico, se tem causas, tem igualmente consequências.
Desenganem-se aqueles que esperam de “Anselm – O Som do Tempo” um documentário biográfico clássico. É antes uma mostra não convencional de uma parte da notável colecção de arte de Kiefer exibida em armazéns e ambientes externos, à mistura com imagens de arquivo e algumas memórias do artista, algumas bem dolorosas. Seja na antiga escola de Walldürn-Hornbach ou na imensidão de Barjac, no centro-sul de França, faltam palavras para descrever os locais onde Anselm Kiefer cria, expõe e conserva uma infinidade de obras saídas da sua imaginação. O extraordinário trabalho de fotografia de Franz Lustig, sustentado em tecnologia 3D, permite-nos “passear” por entre as peças como se guiados pelos nossos próprios passos, ao encontro do artista em pleno acto criativo. Enquanto isso, vamos mergulhando no lado mais controverso da obra de Kiefer, na sua aparente fixação nas mesmas figuras que sustentaram o sentido de glorificação da Alemanha nazi, na forma como reage às provocações e defende com coerência a visão que tem da arte e do mundo.
Apesar de distintas, a forma de Wenders e de Anselm Kiefer se exprimirem artisticamente oferece a ambos a possibilidade de reflectirem sobre um tempo que lhes é comum, filhos que são de uma mesma pátria, em busca do muito que continua sem explicação. Para Kiefer, esta é o momento de revisitar a sua infância e o seu gosto em imaginar histórias e em desenhá-las, e mais tarde a juventude e idade adulta, ao encontro de referências maiores como Paul Celan, Ingeborg Bachmann, Joseph Beuys ou Martin Heidegger. Para Wenders é a oportunidade de vincar a qualidade superior da sua arte de fazer cinema, voltando a presentear-nos com um filme muito belo, através do qual nos pede que atentemos na singularidade das mensagens que se abrigam onde menos se esperam. Para o espectador, é o prazer de mergulhar na poesia que enforma a obra de Wenders como de Kiefer, numa jornada de elevação espiritual que a música sublime de Leonard Küßner apenas vem reforçar.
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