CONCERTO: Rodrigo Amado e Ricardo Toscano
Ciclo Sobretudo
Aveiro 2024 Capital Portuguesa da Cultura
Fábrica e Museu da Vista Alegre
06 Jan 2024 | sab | 18:00
Foi sob os melhores auspícios que teve início o ano de 2024, pelo menos no que à música – e ao Jazz, em particular – diz respeito. Inserido na programação da Aveiro 2024 Capital Portuguesa da Cultura e nas celebrações do bicentenário da Vista Alegre, o concerto que reuniu os saxofonistas Rodrigo Amado e Ricardo Toscano constituiu, para o público que preencheu o bonito espaço da Fábrica e Museu da Vista Alegre, um refrescante mergulho na linguagem da improvisação. Fazendo assentar o concerto em três momentos musicais construídos integralmente na base do improviso, os dois músicos mostraram, ao longo de pouco mais de quarenta minutos, o que de mais extraordinário pode abrigar uma sequência de acordes construída em total liberdade, numa clara demonstração de interação, partilha, imaginação, virtuosismo e muito gozo à mistura.
No diálogo de “viva voz” entre os dois músicos, é delicioso perceber as diferenças na forma como cada um deles se expressa, um tom mais contemplativo nos graves do saxofone alto de Ricardo Toscano, em contraposição com o saxofone tenor de Rodrigo Amado, mais agudo e expressivo, mais sincopado e “nervoso”. Duas escolas em confronto, uma mais classicista e com amarras no Jazz do outro lado do Atlântico, no caso de Toscano, outra mais livre, construída sobre uma multiplicidade de linguagens musicais, mais centro-europeia ou mesmo nórdica, no caso de Amado. Entre o maravilhado e o divertido, o público vai tendo tempo para “estudar” a forma como os dois interlocutores tomam a “palavra” à vez, admirar o seu sentido do ritmo, o respeito pelos tempos de pausa, o modo como se altera o rumo da “conversa”, um tom mais brando aqui, acolá uma frase mais ríspida.
Porque foi assim que senti cada uma das músicas tocadas, atrevo-me a avançar as palavras “Mundo”, “Cidade” e “Fábrica” como propostas para títulos, em vez dos mais que prováveis “Improviso I, II e III”. “Mundo”, porque o primeiro tema – longo de quase vinte e cinco minutos – é uma proposta de viagem por paisagens tão díspares quanto as areias do Saara ou os gelos do Ártico, a selva Amazónica ou os confins da Ásia, efervescentes metrópoles ou o vento nas searas do Alentejo. O segundo tema passeou-se por espaços mais “previsíveis” e a ideia de “Cidade”, com o seu ritmo próprio, os seus ruídos de fundo e as suas imutáveis rotinas, aflorou com enorme fulgor. Por fim a “Fábrica”, porque tudo neste derradeiro tema nos fez mergulhar num espaço onde a modelagem ou a combustão, feitas de intensidade e energia, se misturam com o silêncio do pintor que deixa no prato a expressão da sua arte. E não me digam que não ouviram a sirene da Fábrica, o despegar do trabalho, a algazarra na pausa de almoço?
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