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sexta-feira, 29 de setembro de 2023

CINEMA: Shortcutz Ovar Sessão #75



CINEMA: Shortcutz Ovar Sessão #75
Com | David Doutel, Vasco Sá, Carlos Lobo, Ana Vilaça
Apresentação | Tiago Alves
Escola de Artes e Ofícios
28 Set 2023 | qui | 21:30


Em noite de casa (e lua) cheia, o Shortcutz Ovar pôs fim à pausa estival e regressou à Escola de Artes e Ofícios para nova sessão da sua sétima temporada. Na recta final de um ano de excelentes trabalhos - em linha, aliás, com o muito de bom que o cinema português vem mostrando -, a sessão teve para oferecer três curtas muito distintas entre si, mas em cujas mensagens podemos adivinhar um mesmo propósito: o de deslocar as personagens do seu espaço natural, fazer com que “abandonem a montanha e desçam ao povoado”, enfrentem os seus demónios, desafiem o desconhecido e se mostrem prontas a aceitar verdades e consequências. “Uns são apanhados, outros conseguem fugir”, são palavras finais de um dos filmes, mas que condensam muito bem o sentimento de transgressão comum a todos eles. Deste ponto de vista, talvez nunca como ontem uma sessão se mostrasse tão coesa e equilibrada na busca da melhor forma de lidar com os problemas que afectam o nosso quotidiano, que fazem do pensamento e da acção uma necessidade premente. Entre o público, foi notória a indecisão no momento de dar o seu voto, acabando por se inclinar para “Garrano”, filme inaugural desta sessão.

Figura de proa do cinema de animação no nosso país, presença marcante em importantes festivais de cinema de todo o mundo, a dupla de realizadores David Doutel e Vasco Sá regressou a Ovar para mostrar “Garrano”, a sua quarta curta-metragem. De acordo com os realizadores, o filme nasce da vontade de abordar e refletir sobre o grave e endémico problema dos incêndios florestais em Portugal, mas o seu “braço” mostra-se muito mais longo, abarcando a precariedade e a pobreza, a falta de expectativas num interior cada vez mais desertificado, os atentados ambientais que se adivinham com a exploração do lítio, a morte lenta de um modo de vida que deu forma e sustento a comunidades inteiras ao longo de séculos. Cruzando animação 2D tradicional com pintura a óleo e pintura digital, “Garrano” oferece-nos quadros de uma beleza imensa, ao mesmo tempo que nos dá a ver o horrível que se abriga no coração do homem e nos actos que pratica.

Primeira obra do realizador vimaranense Carlos Lobo, “Aos Dezasseis” foi “o irmão do meio” desta sessão. Marcadamente autobiográfico, o filme é, nas palavras do seu realizador, “um retrato de uma certa ideia poética da juventude, um período em que a procura da definição da nossa identidade e das suas lutas está presente como condição de sobrevivência e de sentimento de pertença”. Entre uma Escola, um Skate Park e uma Discoteca, a jovem protagonista deste filme confronta-se com os grandes problemas da adolescência - as alterações do corpo, as dinâmicas de grupo, as pulsões sexuais - e está a um passo de se descobrir. No papel de Sara, Ana Ribeiro é preciosa, no gesto como no olhar, revelando tudo sem nada dizer. Por seu lado, percebe-se em Carlos Lobo uma enorme maturidade na sua forma de filmar, uma rigorosa planificação, a proximidade entre a lente e os rostos, uma estética muito própria em alguém que trata por “tu” a fotografia. Sobretudo, avulta a cuidadosa e delicada direcção de actores, legitimando a verdade que o filme encerra.

A programação desta sessão do Shortcutz Ovar escolheu “By Flávio”, de Pedro Cabeleira, para fechar a noite. Com fotografia de Leonor Teles e Ana Vilaça, Rodrigo Manaia e Tiago Costa nos principais papéis, este é um daqueles filmes que aborda as bases de sustentação das relações inter-pessoais nos nossos dias, pondo a nu as suas fragilidades, inconsistências e contradições. Na experiência de uma jovem mulher, empregada de uma loja de roupa num Centro Comercial em Torres Novas, cujas ambições passam por vir a ser uma influencer digital, multiplicar o número de seguidores no Instagram, garantir uma certa emancipação sexual, ser reconhecida como a companheira de um musico famoso, deixar para trás o pequeno burgo e mudar-se para a grande cidade, está a experiência de muitas jovens mulheres. Vencedor dos Prémios Sophia, da Academia Portuguesa de Cinema, na categoria de Melhor Curta-Metragem de Ficção, “By Flávio mostra-se exímio na forma como aborda o papel da mulher e como desconstrói as questões associadas à objectificação do seu corpo numa sociedade onde tudo é urgência e desassossego.

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