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domingo, 27 de agosto de 2023

VISITA ORIENTADA: "160 Anos da Chegada de Júlio Dinis a Ovar"


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VISITA ORIENTADA: “160 Anos da Chegada de Júlio Dinis a Ovar”
Apresentação e orientação | António França
Museu Júlio Dinis - Uma Casa Ovarense
25 Ago 2023 | sex | 15:00


“E’ nesta casa que viveu Julio Diniz ha quarenta e três anos, no verão de 63, desde Maio a princípios de Setembro. Aqui ouvira elle contar casos sucedidos na terra, e conhecera costumes, crenças, conceitos e maximas de que depois se serviu nos seus romances. Aqui teve á mão o medico de aldeia, o boticário doutorado, o fatuo tendeiro, o padre, o bacharel nos typos tradicionaes que estimava encontrar e que não via no Porto porque, fazendo vida arredada, systhematicamente se afastava dos meios onde os pudera estudar. Aqui conviveu com pessoas que depois se chamaram Dorotheia de Alvapenha, Victorina do Mosteiro, Margarida, Maria, José das Dornas, João Semana e João da Esquina. Aqui finalmente, o seu espírito desalentado pela doença criou firmes esperanças de cura!”
Anthero de Figueiredo

Estou no Museu Júlio Dinis, no espaço nobre desta Casa Ovarense, a sala virada a norte, com porta e janela que abrem para o Jardim dos Campos. É aqui que António França, curador da Casa-Museu, me recebe, participante solitário que sou na Visita Orientada à exposição que assinala os “160 Anos da Chegada de Júlio Dinis a Ovar”. A partir daqui irei encetar uma viagem no tempo, recuando a 7 de Maio de 1863, o dia (ventoso, por sinal) em que, na companhia de um almocreve, Joaquim Guilherme Gomes Coelho viajou do Porto para Ovar, vindo a instalar-se na casa da sua tia paterna, Rosa Coelho. É este o ponto de partida de uma exposição que irá integrar e relacionar o mobiliário da casa, objectos de época, um grande número de fac-símiles com notas e apontamentos de Júlio Dinis relativos ao processo de escrita, à obra literária a publicar e publicada durante a sua vida e referências à sua passagem por Ovar, particularidades do território, relação entre a obra literária e a produção pictórica e cinematográfica no século XX, um “Gabinete de Curiosidades” profusamente ilustrado com recurso, sobretudo, a fotografias de época e, ainda, o fac-símile da reportagem de Anthero de Figueiredo resultante da sua visita à “Casa dos Campos”, onde entrevistou Maria Coelho, sobre a passagem do seu primo por Ovar no verão de 1863.

Antes da visita às peças que compõem a exposição, António França começou por contextualizar a vinda de Júlio Dinis para Ovar, sublinhando aspectos como a mobilidade na época (“já havia linha férrea, mas não havia estação”), a caracterização de um território dividido entre mar, ria e floresta e uma sociedade híbrida, de vila e aldeia, onde coabitavam as gentes simples com uma burguesia ciosa dos seus pergaminhos. Mas, sobretudo, a situação de doença (tuberculose) que afligia o jovem médico, a importância de um ambiente tranquilo e a necessidade de haver alguém que lhe fosse próximo e pudesse prestar-lhe os cuidados que a situação exigia. Olhamos a pequena mesa à nossa frente e parece-nos ver Júlio Dinis, no final de um dia esgotante, a escrever a primeira carta durante a sua estadia em Ovar. Muitas outras se seguirão, a dar conta do seu mal-estar e de uma certa aversão à terra onde se instala e às suas gentes. António França dirá que esta fase de negação durará sensivelmente dois meses, dando como prova as palavras que podem ler-se noutra carta fac-similada, situando no mês de Julho o início da escrita de “As Pupilas do Senhor Reitor”. Entretanto, Júlio Dinis encontrará alento para se dedicar a uma exaustiva viagem pelo tecido social vareiro, trabalhando na recolha de usos e costumes, questões de género e de classe, complexidades do real e do aparente, encontrando aí a base dos seus muito aclamados romances.

Dos primórdios da escrita, aquando da incursão no teatro em plena adolescência pela mão do irmão mais velho, à forma obsessiva como regista os mais ínfimos detalhes do seu dia a dia, vamos descobrindo um Joaquim Guilherme Gomes Coelho e percebendo, entre a realidade e o mito, os porquês do pseudónimo Júlio Dinis. Vamos também penetrando na alma deste homem que se sabe condenado por uma doença que, só com a descoberta da estreptomicina, oito décadas mais tarde, passou a ter cura. António França revela-se um extraordinário cicerone e, com ele, contamos as 17 tábuas do tecto do quarto de dormir, adivinhamos as maçãs a corar nos frisos dos quartos, escutamos as conversas de esquina na parte da frente da casa, acompanhamos os passeios do escritor pelos campos ou numa excursão à Senhora da Saúde na companhia da prima e de uma amiga, sentamo-nos ao borralho na ampla cozinha ou, no eido, participamos numa desfolhada. Nas paredes da casa, o material expositivo vai abrindo espaço nas gavetas da nossa imaginação. Os nomes de Egas Moniz ou Leitão de Barros, Custódio Passos ou Roque Gameiro cruzam-se com as fotografias de Ricardo Ribeiro ou de Mário Almeida, com um singular coração ou com um lenço dos namorados. A sensação é de plenitude e também de gratidão por tão belos e enriquecedores momentos em torno de uma exposição extraordinariamente concebida e que permite ao visitante aflorar o viver e o sentir de uma figura ímpar da nossa literatura. A exposição irá estar patente até 14 de novembro e é imperdível!

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