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segunda-feira, 5 de fevereiro de 2024

VISITA ORIENTADA: “Aleg(o)ria - Uma Leitura ao Carnaval de Ovar”



VISITA ORIENTADA: “Aleg(o)ria - Uma Leitura ao Carnaval de Ovar”
Texto, encenação e interpretação | Leandro Ribeiro
Cenografia e figurinos | Marta Baldaia
Carnaval de Ovar 2024
Aldeia do Carnaval
02 Fev 2024 | sex | 17:30


“Axé meu pai, axé. Se a sua vida é um fracasso, em Ovar o Carnaval será um sucesso”. Foi com estas palavras que Mestre Foliandro - especialista em espíritos diabólicos, vidente, cartomante, tarólogo, sexólogo e medium (“porque estou farto de ser small”) - começou por se dirigir às cerca de duas dezenas de pessoas que marcaram presença na Aldeia do Carnaval para uma visita orientada a esse verdadeiro laboratório onde é produzida a “vitamina da alegria”. De turbante azul empenachado, olhar hipnotizante e voz profunda, Mestre Foliandro propôs-se, com a ajuda dos seus orixás - o gigantone, o cabeçudo e o dominó - e das suas (dele) preciosas bolas, dar a ver o passado, o presente e o futuro do Carnaval de Ovar. Um tridente temporal que casa na perfeição com o tridente de Neptuno, “deus de todos os mares”, tão eficaz em chamar os foliões ao centro de Ovar como o mar às ruas do Furadouro.

Pagão ou religioso, eis a questão quanto à essência do Carnaval. A isto procurou responder Mestre Foliandro, lançando as cartas ao mesmo tempo que invocava os espíritos: “Ô-lê-lê, ô-lá-lá, pega no ganzê, mas não pega no meu ganzá”. Um espírito maléfico logo fez sentir o seu “toque” perturbador, mas a primeira carta não tardou a sair e, com ela, “os prisioneiros da Babilónia”, em cujo território se acredita possa estar a origem do Carnaval. Já na Grécia Antiga, havia festas para celebrar a chegada da primavera onde era permitido à população participar no evento, sem distinção de classes ou géneros. Celebração semelhante ocorria no Império Romano, na Saturnália, quando as pessoas se mascaravam e passavam dias a brincar, a comer e a beber. Era também na Roma Antiga que se fazia uma festa à deusa Ísis, a Navigium Isidis (o navio de Isis), e cujo “carrus navalis” terá sido o primeiro carro alegórico. Com a ascensão do cristianismo, as festas pagãs ganharam novos significados. Assim, o Carnaval tornou-se a oportunidade dos fiéis se despedirem da carne às refeições. A palavra “carnaval” parece ter origem no latim “carnis levale”, que significa “retirar a carne”.

O carnaval de Veneza com as suas máscaras, o carnaval da Alemanha com os seus “ca(ra)melos”, o carnaval da Bolívia com os seus trajes andinos ou o carnaval do Brasil com um solitário Zé Pereira não foram esquecidos. Mas foi no nosso país que Mestre Foliandro se concentrou, tentando perceber, com a ajuda dos búzios, qual o melhor de todos. À falta de búzios, porém, a solução foi lançar pipocas e perceber de imediato que, entre resseços ou melosos, insossos ou moles, não havia carnaval que se aproveitasse. Recorrendo à hipnose e a um moderníssimo baralho de cartas de Tarot, pudemos então passar em revista os carnavais de norte a sul do País, de Estarreja à Mealhada ou de Podence a Loulé. Colocando em cima da mesa as suas (dele) bolas, Mestre Foliandro deixou para o fim, muito a propósito, o Carnaval de Ovar. Nova invocação dos espíritos - “mamãe eu quero mamar, dá chupeta pro bebé não chorar” - e eis-nos perante um plasma de cristal de 40 polegadas ao encontro da nossa história, do “carnaval porco” aos carros alegóricos e piadas dos anos 70, do carnaval infantil e das escolas de samba surgidos nos anos de 1980 à Fundação do Carnaval e à Aldeia do Carnaval, inaugurada em 14 de Setembro de 2013.

A finalizar, Mestre Foliandro partilhou as suas infalíveis previsões: A Noite Mágica chegará ao Furadouro, a realização do Carnaval de forma rotativa em todas as freguesias será uma realidade, a Aldeia do Carnaval transformar-se-á em Metrópole do Carnaval e manter-se-á aberta 365 dias por ano, assistiremos à construção de bancadas fixas na Avenida Sá Carneiro, com ateliers e oficinas no seu interior, que levarão à criação de centenas de postos de trabalho e existirá um sistema mecânico de cobertura das bancadas que permitirá a saída do corso carnavalesco, mesmo em dias de temporal. A segunda parte da visita levou os participantes ao encontro das sedes de três grupos carnavalescos, onde Mestre Foliandro continuou, com a ajuda das suas (dele) bolas, a adivinhar passados e a confirmar futuros. Mais do que visitar pela primeira vez a Aldeia do Carnaval e perceber a dinâmica de um espaço único, foi gratificante ver o quanto uma visita neste contexto pode ter tanto de lúdico como de didático. Respeitando o espírito carnavalesco, Leandro Ribeiro soube ser o cicerone perfeito, encarnando o espírito do nosso carnaval na sua essência, carregando as palavras de segundos sentidos e puxando à brejeirice, mas sempre com elegância e bom gosto. Duas horas muito bem passadas, a prenunciar (quase) duas semanas da maior folia.

domingo, 27 de agosto de 2023

VISITA ORIENTADA: "160 Anos da Chegada de Júlio Dinis a Ovar"


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VISITA ORIENTADA: “160 Anos da Chegada de Júlio Dinis a Ovar”
Apresentação e orientação | António França
Museu Júlio Dinis - Uma Casa Ovarense
25 Ago 2023 | sex | 15:00


“E’ nesta casa que viveu Julio Diniz ha quarenta e três anos, no verão de 63, desde Maio a princípios de Setembro. Aqui ouvira elle contar casos sucedidos na terra, e conhecera costumes, crenças, conceitos e maximas de que depois se serviu nos seus romances. Aqui teve á mão o medico de aldeia, o boticário doutorado, o fatuo tendeiro, o padre, o bacharel nos typos tradicionaes que estimava encontrar e que não via no Porto porque, fazendo vida arredada, systhematicamente se afastava dos meios onde os pudera estudar. Aqui conviveu com pessoas que depois se chamaram Dorotheia de Alvapenha, Victorina do Mosteiro, Margarida, Maria, José das Dornas, João Semana e João da Esquina. Aqui finalmente, o seu espírito desalentado pela doença criou firmes esperanças de cura!”
Anthero de Figueiredo

Estou no Museu Júlio Dinis, no espaço nobre desta Casa Ovarense, a sala virada a norte, com porta e janela que abrem para o Jardim dos Campos. É aqui que António França, curador da Casa-Museu, me recebe, participante solitário que sou na Visita Orientada à exposição que assinala os “160 Anos da Chegada de Júlio Dinis a Ovar”. A partir daqui irei encetar uma viagem no tempo, recuando a 7 de Maio de 1863, o dia (ventoso, por sinal) em que, na companhia de um almocreve, Joaquim Guilherme Gomes Coelho viajou do Porto para Ovar, vindo a instalar-se na casa da sua tia paterna, Rosa Coelho. É este o ponto de partida de uma exposição que irá integrar e relacionar o mobiliário da casa, objectos de época, um grande número de fac-símiles com notas e apontamentos de Júlio Dinis relativos ao processo de escrita, à obra literária a publicar e publicada durante a sua vida e referências à sua passagem por Ovar, particularidades do território, relação entre a obra literária e a produção pictórica e cinematográfica no século XX, um “Gabinete de Curiosidades” profusamente ilustrado com recurso, sobretudo, a fotografias de época e, ainda, o fac-símile da reportagem de Anthero de Figueiredo resultante da sua visita à “Casa dos Campos”, onde entrevistou Maria Coelho, sobre a passagem do seu primo por Ovar no verão de 1863.

Antes da visita às peças que compõem a exposição, António França começou por contextualizar a vinda de Júlio Dinis para Ovar, sublinhando aspectos como a mobilidade na época (“já havia linha férrea, mas não havia estação”), a caracterização de um território dividido entre mar, ria e floresta e uma sociedade híbrida, de vila e aldeia, onde coabitavam as gentes simples com uma burguesia ciosa dos seus pergaminhos. Mas, sobretudo, a situação de doença (tuberculose) que afligia o jovem médico, a importância de um ambiente tranquilo e a necessidade de haver alguém que lhe fosse próximo e pudesse prestar-lhe os cuidados que a situação exigia. Olhamos a pequena mesa à nossa frente e parece-nos ver Júlio Dinis, no final de um dia esgotante, a escrever a primeira carta durante a sua estadia em Ovar. Muitas outras se seguirão, a dar conta do seu mal-estar e de uma certa aversão à terra onde se instala e às suas gentes. António França dirá que esta fase de negação durará sensivelmente dois meses, dando como prova as palavras que podem ler-se noutra carta fac-similada, situando no mês de Julho o início da escrita de “As Pupilas do Senhor Reitor”. Entretanto, Júlio Dinis encontrará alento para se dedicar a uma exaustiva viagem pelo tecido social vareiro, trabalhando na recolha de usos e costumes, questões de género e de classe, complexidades do real e do aparente, encontrando aí a base dos seus muito aclamados romances.

Dos primórdios da escrita, aquando da incursão no teatro em plena adolescência pela mão do irmão mais velho, à forma obsessiva como regista os mais ínfimos detalhes do seu dia a dia, vamos descobrindo um Joaquim Guilherme Gomes Coelho e percebendo, entre a realidade e o mito, os porquês do pseudónimo Júlio Dinis. Vamos também penetrando na alma deste homem que se sabe condenado por uma doença que, só com a descoberta da estreptomicina, oito décadas mais tarde, passou a ter cura. António França revela-se um extraordinário cicerone e, com ele, contamos as 17 tábuas do tecto do quarto de dormir, adivinhamos as maçãs a corar nos frisos dos quartos, escutamos as conversas de esquina na parte da frente da casa, acompanhamos os passeios do escritor pelos campos ou numa excursão à Senhora da Saúde na companhia da prima e de uma amiga, sentamo-nos ao borralho na ampla cozinha ou, no eido, participamos numa desfolhada. Nas paredes da casa, o material expositivo vai abrindo espaço nas gavetas da nossa imaginação. Os nomes de Egas Moniz ou Leitão de Barros, Custódio Passos ou Roque Gameiro cruzam-se com as fotografias de Ricardo Ribeiro ou de Mário Almeida, com um singular coração ou com um lenço dos namorados. A sensação é de plenitude e também de gratidão por tão belos e enriquecedores momentos em torno de uma exposição extraordinariamente concebida e que permite ao visitante aflorar o viver e o sentir de uma figura ímpar da nossa literatura. A exposição irá estar patente até 14 de novembro e é imperdível!