LIVRO: “Muro”,
de João Pedro Vala
Conceito, curadoria, co-organização | Mistaker Maker
Ed. Fazunchar, Agosto 2023
“A Lara garante-me que o laínte está praticamente morto. Hoje todos os habitantes de Figueiró falam única e exclusivamente português, mas há momentos em que me custa a acreditar que falemos o mesmo dialecto. Começo a temer não ser fluente na minha língua-mãe.”
Lara. Laínte. Figueiró. Três palavrinhas num só parágrafo que importa descodificar, até porque nelas se condensa uma bela história. A história de um festival com o dedo de Lara Seixo Rodrigues, arquitecta acidental, apaixonada pelo espaço público e a grande impulsionadora da Arte Urbana em Portugal, que em Figueiró dos Vinhos encontrou condições e oportunidades para levar por diante um dos mais interessantes e estimulantes festivais de arte urbana do nosso País. Um Festival que conheceu a sua primeira edição em 2019 e que recebeu a designação de Fazunchar - cujo significado é “fazer” -, indo buscar o nome ao laínte, dialecto hoje em desuso mas que, durante muito tempo, foi utilizado pelos vendedores ambulantes de tecidos da vasta região do Pinhal Interior para comunicarem entre si sem que fossem entendidos. Mas que raio tem o Fazunchar a ver com este livro que hoje trago às páginas do blogue?
Tem tudo, devo dizer, desde logo porque é o resultado da residência artística de literatura promovida pela organização do Festival em 2022. E depois porque nele reside a história vivida e sentida de uma edição que voltou a combinar em doses iguais a arte e a festa, juntando a população local e os visitantes do festival em torno de um conjunto de manifestações artísticas de enorme valor e interesse, que isto do “Fazunchar” não é só “pintar paredes”. E aqui entramos directamente neste “Muro”, pequenino livro que me chegou às mãos via CTT, numa gentileza de Lara Seixo Rodrigues, a qual agradeço com emoção. Edição limitada a 50 exemplares apenas, o livro vem assinado e com dedicatória o que é, convenhamos, um verdadeiro luxo. O resto é aquilo que João Pedro Vala captou do espírito do Fazunchar, transpondo para as páginas do livro, de forma bem humorada, as emoções que o envolvem e que provam ser este muito mais do que um Festival.
Andar sobre este “Muro” é regressar a Figueiró dos Vinhos e àquilo que mais impressiona o visitante: Uma vila parada no tempo, desertificada, com muito pouco de impactante para além do grená que cobre a fachada da Câmara Municipal e a beleza do Casulo de Malhoa. Mas cujas estreitas ruas, escadinhas e becos sabe bem percorrer, lendo nas portas e nos muros as marcas do tempo. Das pessoas dá-nos conta João Pedro Vala: o senhor Alcides, a dona Célia, o senhor Eduardo, o senhor Zé, o senhor João, um freguês da tasca “cujo nome não decorei mas que a partir daqui designarei de Armando”. Também das aldeias em volta: Arega, Campelo, Aguda. O resto é o trabalho do Slim e do Tiago Hesp, da Arashida e do Lourenço Providência (a quem se deve a capa deste livro), do Taquen e da Alba, da Silly, do Juan e da Mariana, a Miserável, artistas de quem apetece dizer mal, “que nos irritam por saberem desenhar melhor do que nós.”. Depois de ter estado nas quatro primeiras edições do Fazunchar, “furei” a edição deste ano. Não fui ao Fazunchar, mas veio o Fazunchar até mim sob a forma de um livro terno e sensível, a denunciar um olhar arguto e um enorme apreço pelo valor das coisas, mesmo as mais simples. Espero voltar a Figueiró em 2024. “Deus queira, caralho.”
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