EXPOSIÇÃO DE ESCULTURA E PINTURA: “Juan Miró / Alexander Calder: Espaço em Movimento”
Curadoria | Philippe Vergne
Casa de Serralves
22 Jun 2023 > 07 Jan 2024
O encontro entre Joan Miró e Alexander Calder representou uma das mais férteis amizades artísticas e diálogos visuais continuados do século XX. Já em 1936, o jornal The New York World-Telegram descrevia os móbiles de Calder como “abstrações de Miró vivas”. Um imaginário em constelação era um princípio formal do trabalho de ambos. Em vez de construírem as suas imagens em torno de um núcleo central, como acontece nas abordagens tradicionais à pintura e à escultura, Joan Miró e Alexander Calder concebiam as suas obras como estruturas abertas, em que as formas flutuam livremente no espaço ou estão distribuídas uniformemente pela superfície da tela. Quando próximos, os móbiles, stabiles e esculturas de parede ou de base de Calder parecem ativar as qualidades espaciais inerentes às pinturas de Miró, tal como o universo imagístico de Miró, com os seus signos e apontamentos esquemáticos de figuras, explora em duas dimensões muitas das sugestões das esculturas de Calder.
Com uma série de “cabeças-retrato” que fez de amigos entre 1927 e 1930, Calder ampliou os limites da sua prática escultórica. Executadas em arame torcido, as “cabeças” possuem o aspecto de desenhos tridimensionais pairando no espaço. Algumas pinturas de Miró do início e meados dos anos 1930 parecem transpor as lições das “cabeças” de Calder para a forma bidimensional. Em “Tête d’homme”, de 1935, Miró estabelece uma armação linear para a figura, cujas feições estão reduzidas a signos para os olhos e para a boca. Em dois desenhos tardios da Coleção depositada em Serralves, a linha orgânica de Miró estabelece por seu turno um ritmo orgânico que dá à composição um movimento virtual, sugerindo que as figuras estão a girar no espaço. Em várias das suas obras de grande dimensão em pintura e cerâmica, Miró dispõem os seus signos para pássaros, estrelas e personagens de forma a que pareçam flutuar num ritmo contínuo. À medida que estes se cruzam com outros objetos, Miró altera a paleta, fazendo com que linha, figura e cor troquem de lugar, num bailado lírico de formas. As configurações assim criadas, que lembram fragmentos, têm afinidades com a tensão em equilíbrio dos móbiles de Calder, particularmente o majestoso “Black Polygons”, de 1947.
Nos seus trabalhos tardios, Calder e Miró simplificaram e ampliaram frequentemente as suas formas. As esculturas de Calder de grandes formatos dos anos 1950 e 1960 inscrevem-se na mesma linha das telas monumentais de Miró dos anos 1970. Nestes trabalhos, os signos elementares do pintor para corpos astrais e solares, figuras e pássaros tornam-se mais densos e mais expansivos. A sua linha delicada dá agora lugar a uma intensa ênfase de formas discretas e muito coloridas, cujas identidades se metamorfoseiam à medida que o observador vai explorando as imagens. No catálogo da retrospetiva de Calder na Galeria Maeght de Barcelona em 1977, Miró escreveu duas pequenas homenagens ao seu amigo, preenchendo-as com uma imensidão de signos simples os quais evocam as inúmeras associações com o trabalho tardio de Calder.
Concebidas em total independência, as “Constelações” de Calder e Miró têm sido frequentemente consideradas contrapartes bi- e tridimensionais. A série de vinte e três guaches de Miró, executados em 1940 e 1941, é uma das grandes realizações da sua carreira. A sua estrutura de inscrições e formas lineares disseminadas pelas superfícies tem forte afinidade com a série de Calder de 1943, em que formas de madeira ligadas a varas metálicas se expandem em todas as direções. Miró tinha começado a trabalhar na disseminação em constelação do seu léxico de imagens — signos organizados no plano frontal da pintura em aglomerados de maior ou menor extensão — já em 1925–27, nas chamadas “Pinturas Oníricas”, mas foi na série “Peintures” de 1933 que realmente explorou as suas possibilidades formais. Oito anos mais tarde, em plena carnificina da Segunda Guerra Mundial, Miró simplificou os seus signos para criar uma grelha linear de “Constelações” que reflete a sua experiência dúplice de trauma e alívio espiritual. Nestas obras, contudo, Miró parece evitar a transcendência: na rude aplicação da tinta e nas manchas de tinta da China que alastram pela superfície o pintor sublinha agora as condições físicas dos suportes que emprega.
[Texto composto a partir do Roteiro da Exposição]
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