Com perto de quarenta trabalhos discográficos no currículo em mais de sessenta anos de carreira, o contrabaixista francês Henri Texier esteve em Espinho para apresentar o seu mais recente álbum, “Heteroklite Lockdown” (2022). Desenhado durante a pandemia, este trabalho responde a uma certeza: a de que a música não se deixa aprisionar, indomável perante todo e qualquer confinamento. Foi neste tempo marcado pelo distanciamento físico que o músico viu nascer em si o desejo de explorar um conjunto de temas desde sempre no seu coração, mas que nunca se tinha atrevido a tocar. Fê-lo agora, tendo por companhia o seu filho, Sébastian Texier, no saxofone alto e clarinete, e Gautier Garrigue na bateria. No alinhamento proposto por Texier ao público no Auditório de Espinho, assumiram relevância um conjunto de temas que são standards absolutos do jazz, aos quais acrescentou "Laguna Veneta", um tema velhinho de quase trinta anos, e ainda duas composições originais dos músicos que o acompanharam, "Forest Forgive Them" e "Cinecittà". Et voilà!
Natural de Paris, Henri Texier começou a tocar aos 15 anos, cedo se juntando à Big Band de Jef Gilson. Isso permitiu-lhe conhecer o baterista Daniel Humair e, em conjunto, desenvolveram uma das mais fortes seções rítmicas da França dos inícios de 60. Texier e Humair passaram a integrar os naipes de variadíssimos artistas americanos em tournée pela Europa, nomeadamente Bud Powell, Donald Byrd, Phil Woods, Dexter Gordon e Chet Baker. Com Humair e o pianista Martial Solal, colaborou em algumas gravações importantes feitas com o saxofonista Lee Konitz e, em 1968, integrou o grupo “European Rhythm Machine”, onde pontificavam também Woods, Humair e o pianista Gordon Beck. Sebastian Texier juntou-se Humair e ao pai em 2001, daí resultando o “trio sem piano”. Que continua vivo e de boa saúde, como muito bem se pode perceber na noite do passado sábado.
Quem assistiu ao concerto teve a oportunidade de apreciar a relação seminal entre Henri Texier e o instrumento. A falta de obediência aos modelos americanos fica bem patente naquele dedilhar constante com as mãos tão próximas quanto possível, mais viola que contrabaixo, o som a furtar-se aos graves com elegância e harmonia. Solidário com o instrumento, estabelecendo com ele uma ligação fortemente física, Texier pontuou a hora e um quarto de música com momentos magistrais, apenas possíveis num intérprete de excelência. Os longos e inspirados solos de saxofone ou de bateria, nomeadamente em temas como “Fertile Danse” ou “Izlaz” (este já no encore), mostraram que Sébastian Texier e Gautier Garrigue não estiveram ali apenas “a ver passar os comboios”. Em suma, um concerto que nos levou no embalo de “Round About Midnight”, “What Is This Thing Called Love” ou “Besame Mucho”, mas cuja matriz reinterpretativa nos fez viver e sonhar. Seria Henri Texier a dizer-nos como lidar com a pandemia?
[Foto: Auditório de Espinho | https://www.facebook.com/auditoriodeespinhoacademia]
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