TEATRO: “As Cigarras Septendecim e Tredecim”
Texto | Afonso Cruz
Encenação, figurinos, cenários e desenho de luz | Leandro Ribeiro
Design e edição de fotos| Marta Baldaia
Fotografia de cena e vídeo | Manuel Vitoriano
Interpretação | Beatriz Dias, Beatriz Santos, Daniela Adelino, Duarte Rodrigues, Eduarda Terra, Gabriel Garrido, Inês Campos, Inês Costa Silva, Jorge Azevedo, Laura Afonso, Leonor Matos, Mafalda Reis, Maria Silva, Nicole Gomes, Rita Pereira, Sara Oliveira, Sofia Almeida Costa, Sofia Pinto Costa
Produção | Sol d'Alma - Associação de Teatro
Promotor | Teatro Nacional D. Maria II - Projeto PANOS
Centro de Arte de Ovar
05 Jun 2022 | dom | 18:00
Bizarro, absolutamente original, o título desta peça remete para os nomes científicos Magicicada septendecim e Magicicada tredecim, dois géneros de cigarras existentes nos Estados Unidos e que emergem em ciclos de 17 anos e 13 anos, respectivamente. Estranha e misteriosa, confundindo-se com o húmus na escuridão da terra por um tão largo período de tempo, a existência destes insectos revela-se finalmente no ambiente único e mágico de uma noite na floresta, quando os indivíduos adultos eclodem à superfície para se alimentar, cantar, acasalar, pôr os seus ovos e, três semanas mais tarde, morrer. Mas a estranheza do fenómeno não se fica por aqui, uma vez que a assincronia dos ritmos biológicos de ambas as espécies leva a que a sua existência seja marcada por contínuos desencontros. “Será possível que duas sombras respirem ao mesmo tempo, como imaginou Henri Michaux? Será possível que o dezassete e o treze tenham um instante comum, ou, melhor ainda, eternidade comum?”
Empenhado em concorrer à edição deste ano do “PANOS – palcos novos palavras novas”, projecto promovido actualmente pelo Teatro Nacional D. Maria II e que visa cruzar o teatro escolar e juvenil com as novas dramaturgias, o elenco juvenil do Sol d’Alma – Associação de Teatro começou por enfrentar uma decisão difícil: eleger entre os textos originais de Afonso Cruz – “As Cigarras Septendecim e Tredecim” -, Keli Freitas – “Fábrica de Matar Baleia” - e Joanna Murray-Smith, com tradução de Joana Frazão – “Rio Sombrio”, aquele que melhor lhe convinha para levar à cena. Optou - e optou bem! - por estas cigarras de nome impronunciável. O mérito de saber interpretar e representar a peça foi reconhecido e premiado pelos responsáveis do projecto e, entre meia centena de candidatos, acabou sendo selecionado para apresentar a peça em Lisboa, na Sala Estúdio do TNDMII. Recheado de emoção, o momento pode ser revivido no palco do Centro de Arte de Ovar, três semanas depois, perante um público que praticamente esgotou a sala e vibrou com a peça do primeiro ao último minuto.
São vários os motivos que importa realçar e que contribuem para que esta seja uma peça que merece ser vista com a máxima atenção. Começo pelo texto, belíssimo, de Afonso Cruz, que quase me obriga a trautear a “Balada Astral”, de Miguel Araújo, “os astros a conspirar, no seu cósmico vagar”. Só que, neste caso, os astros e os signos, os desígnios e as constelações não se puseram de acordo - “as trelas dos cães não se ensarilharam” - e as vidas acabaram por se perder no horizonte, como os trilhos de um comboio que seguem lado a lado sem nunca se encontrarem. À intensidade e exigência do texto, respondeu Leandro Ribeiro com um trabalho de encenação versátil e eficaz, capaz de cruzar a acção em vários planos temporais e de estabelecer uma adequada correspondência entre os momentos da peça e os suportes e adereços aos quais inteligentemente recorreu. Reforçando a ideia da passagem do tempo, a projecção de fotografias antigas encerra momentos de uma enorme poesia e mostra que este recurso pode ser muito mais do que uma mera muleta do encenador quando se torna evidente que as soluções cénicas se esgotaram.
Falarei, enfim, do elenco juvenil do Sol d’Alma e da sua entrega, ritmo, energia e alegria. Está a fazer precisamente um ano que pude assistir à peça “O Despertar da Primavera” e na qual uma boa parte destes jovens actuava. E se nessa altura dei conta do meu entusiasmo perante “essa extraordinária plêiade de gente jovem e menos jovem que comunga do espaço do palco, que respira teatro”, dando algum destaque aos nomes de Leonor Matos, Nicole Gomes e Beatriz Dias, reforço agora as minhas palavras e estendo a devida vénia a todo o elenco. Na mente de todos permanecerá por muito tempo a cena final, a caixinha de música a tocar uma melodia muito triste em pano de fundo, a mulher que toma conta da criança autista a descobrir na base do sofá da sala o destino dado às suas revistas rasgadas, duas vidas que finalmente se encontram, ainda que apenas por um breve instante. Parabéns ao Sol d’Alma e que viva o teatro!
[Foto: Manuel Vitoriano | https://www.facebook.com/leandroribeiroteatro]
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