TEATRO: “Pedro, o Cru”
Texto | António Patrício
Encenação | Tobias Monteiro
Interpretação | Catarina Guerreiro, David Esteves, João Araújo, Márcia Cardoso, Pedro Cardoso, Pedro Conceição, Teresa Sobral
Cenografia e figurinos | Isabel Finkler
Música original e espaço sonoro | Tiago Inuit
Produção | Kind of Black Box
120 Minutos | Maiores de 12 anos
Mosteiro de Alcobaça
10 Jun 2022 | sex | 21:00
“Quisera ter mãos de sombra!... Devagarinho… devagarinho… Não vá eu magoar o teu cabelo… Estou certo que os vermes mesmo se arrastam no teu corpo com doçura… Ó pobrezinha! Quando a Morte te viu, chorou decerto… e os olhos de Deus ficaram rasos… Meu amor… Minha Inês… Ó meu amor!...”
O simbolismo legou ao teatro português, com António Patrício, uma das mais coerentes expressões de fidelidade à escola num plano de qualidade literária, poética, mas também cénica e espetacular, no melhor sentido do termo. “Pedro, o Cru” (1913) é disso um enorme exemplo, não só pela força avassaladora da palavra e pela sua capacidade de se transformar em espetáculo, mas também pela fidelidade a uma matriz que Patrício desenvolveu com mestria quase ímpar no teatro português. Foi esta a peça escolhida por Tobias Monteiro e pela Kind of Black Box para levar à cena no espaço único do Mosteiro de Alcobaça, encerrando uma trilogia dedicada à adaptação de lendas históricas do nosso país da autoria do grande dramaturgo, e que teve o seu início na Batalha, em 2014, com a peça “A Abóbada Não Caiu, A Abóbada Não Cairá!”, prosseguindo no ano seguinte com “Dinis e Isabel”, apresentado em Coimbra e Leiria.
Integrado nas celebrações do Dia de Portugal, “Pedro, o Cru” conta a lenda da trasladação do corpo de Inês de Castro, de Coimbra para o Mosteiro de Alcobaça, onde se encontra ainda hoje, numa versão centrada na obsessão de D. Pedro pela vingança dos assassinos da sua amada e pela crueldade da coroação da mesma. Ao longo de duas horas, os espectadores são convidados a conhecer uma história marcada pela impossibilidade física e pela fatalidade do amor, percorrendo espaços onde há cerca de 650 anos tiveram lugar uma boa parte dos acontecimentos narrados e tomando parte na acção ao acompanharem com os seus “círios” o cortejo fúnebre que ligou os mosteiros de Santa Clara-a-Velha (Coimbra) e Alcobaça, onde Inês de Castro foi coroada Rainha de Portugal a título póstumo. A espetacularidade verbal do texto é realçada pela vivacidade dos quadros e pela qualidade dos desempenhos, em particular o de Teresa Sobral, exímia no papel de Pedro, ao qual entrega força e emoção.
A descrição da execução de Inês pela voz de um dos assassinos, as cenas em torno da exumação do cadáver aos quais se sobrepõem os sons da vingança ou o monólogo final dito por D. Pedro junto do túmulo da sua amada, constituíram altíssimos momentos de verbo e espetáculo, marcantes pelo realismo e intensidade das representações. A última nota vai, justamente, para o monólogo que encerra a peça e que os espectadores escutaram em silêncio, por meio de audioguia. Estranhou-se a opção do encenador, mas o respeito pela santidade do espaço assim o determinou, “proporcionando uma maior aproximação e intimidade com a sublime declaração de amor entre os dois históricos amantes”. Esta representação teve ainda um episódio polémico naquilo que a Kind of Black Box considerou uma “tentativa de censura do texto” por parte do pároco de Alcobaça, situação inaceitável por configurar um “atentado à liberdade de expressão, individual e artística”.
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