TEATRO: “Catarina e a Beleza de Matar Fascistas”
Texto e encenação | Tiago Rodrigues
Cenografia | F. Ribeiro
Figurinos | José António Tenente
Desenho de luz | Nuno Meira
Sonoplastia, desenho de som e música original | Pedro Costa
Interpretação | António Fonseca, Beatriz Maia, Carolina Passos Sousa, Isabel Abreu, Marco Mendonça, Pedro Gil, Romeu Costa, Rui M. Silva
Produção | Teatro Nacional D. Maria II
150 Minutos | Maiores de 16 anos
Casa da Cultura de Ílhavo
22 Abr 2022 | sex | 21:00
Que fascistas são estes de que nos fala o título da peça? Seguramente, os que fazem do populismo e do discurso racista e xenófobo uma autêntica “vacina” contra os maus políticos que nos vêm governando desde que Portugal é uma democracia. Seguramente, aqueles que se mostram, “ao lado dos polícias e dos militares que garantem a nossa segurança”, a favor de um sistema livre dos que nada fazem nem querem fazer, isento de impostos que travam a economia e deixam os empresários manietados, sem políticos que chafurdem na lama e sem parlamentares que não sejam autênticos palhaços, a favor de regimes imunes ao “veneno da corrupção”, à “doença” da homossexualidade e às mulheres que não são “boas donas de casa”. Afinal, tudo começa por uma opinião, “uma opiniãozinha que todos temos o direito de exprimir” e que, como um cancro, acabará por crescer desmesuradamente até contaminar tudo à sua volta. Há que extirpar as vozes e as pessoas por detrás das vozes antes que seja tarde. Há que calá-las, enquanto é tempo. Há que matá-las, se for esse o remédio.
O nosso tempo mudou e é talvez tempo de o teatro usar os seus artifícios para nos transportar a um tempo futuro que melhor nos fale do tempo presente. Foi este olhar alegórico que Tiago Rodrigues tomou como premissa da sua peça “Catarina e a Beleza de Matar Fascistas”. Uma família reúne-se numa casa perto da aldeia de Baleizão para cumprir uma tradição anual: raptar e matar fascistas. Acabada de completar 26 anos, hoje é o dia de Catarina, um dos mais “promissores” elementos da família. Adivinha-se um dia de festa, beleza e morte. Mas Catarina é incapaz de matar e o conflito instala-se, enquanto o fantasma de uma outra Catarina, Eufémia de apelido, assoma. O que é um fascista? Há lugar para a violência na luta por um mundo melhor? Podemos violar as regras da democracia para melhor a defender? Como um poema distópico, o espetáculo afasta-se da realidade para melhor nos aproximar dela, ensaiando uma negociação poética com a cultura popular. Forma coletiva de projeção num futuro que nos compete construir, o teatro mostra-se, inteiro e livre, na sua dimensão mais interventivamente política, intrometida, inquietante, inquisidora.
Nunca uma peça mexeu tanto comigo como este “Catarina ou a Beleza de Matar Fascistas”. O texto, de Tiago Rodrigues, esmaga-nos pela sua actualidade e alcance. Os elementos que vão sendo dispensados dizem-nos que este é o nosso tempo, que o lugar da História é o país onde vivemos, que os actores somos todos. Em crescendo, a peça redunda num vendaval de emoções que se estende à plateia, incapaz de assistir aos factos de forma impávida, levada a erguer a voz e a gritar “Não Passarão” ou “25 de Abril sempre, fascismo nunca mais”. De um lado soam gritos exaltados, do outro escutam-se vozes que entoam a “Grândola, Vila Morena”. Descendo pela coxia, são muitos os espectadores que abandonam a sala. Outros permanecem mudos, dominados pelo medo de uma ficção tornada realidade. Uma ficção tornada realidade! De uma inteligência superior, Tiago Rodrigues e a peça atingem os seus propósitos. A mensagem é implacável para com uma enorme esquerda distanciada da acção, demitida da sua vocação, expectantemente cobarde. Os actores são preciosos, de sangue e nervo feitos, assim o texto o exige. Os espectadores estão siderados. A peça termina com uma ovação de pé, por larguíssimos minutos. Saio da sala a tremer. Dêem-me uma arma!
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