Depois de uma apresentação inaugural na Galeria Geraldes da Silva, no Porto, “Insubmissos” rumou a Sul, à bonita cidade de Espinho, onde esteve patente na Junta de Freguesia ao longo de duas semanas. Produzidos por utentes do Hospital de Magalhães Lemos, através do seu Serviço de Reabilitação Psicossocial, os trabalhos expostos repartiram-se por desenho, pintura, escultura e instalação, resultando do labor criativo de cinquenta e três artistas e que pode ser interpretado como uma etapa mais da longa e sobressaltada relação entre o hospital e a comunidade, “feita de aventuras e desventuras e de uma árdua batalha diária contra a discriminação e o estigma social”. São estes mesmos artistas que adivinhamos “agarrados a um pedaço de barro virgem ou a uma tela expectante de cor”, dando forma e corpo ao objecto artístico. São eles que, assim, “lutam pelo resgate do seu espaço individual (…), um lugar onde direitos e deveres se complementam e a cidadania se exerce em todas as suas dimensões.”
Numa iniciativa da sociedade civil, encabeçada por Cláudia Reis e Sérgio Rodrigues, com curadoria do escritor Richard Zimler, “Insubmissos” é-nos apresentada como uma “exposição de arte bruta”. Terá sido este o aspecto que mais despertou o meu interesse, fazendo com que desenvolvesse todos os esforços no sentido de poder visitá-la. Tal como Zimler, também eu nutro um enorme fascínio por esta forma de arte, sendo a Colecção Treger / Saint Silvestre, em depósito no Centro de Arte Oliva, em S. João da Madeira, uma referência maior. Aquilo que vi fez com que uma enorme dúvida se instalasse em torno do que pode ser considerado, ou não, arte bruta. O facto de o artista estar diagnosticado com uma doença mental e, eventualmente, institucionalizado, faz com que a sua arte mereça automaticamente a classificação de arte bruta? Até que ponto a terapia ocupacional ou os trabalhos manuais constituem trabalho artístico? As mesmíssimas peças, criadas por alguém dito “normal”, seriam valorizadas como arte? E afinal o que é isso de “normalidade”, quando é da mente e dos seus eventuais transtornos que falamos?
Questões à parte, cuja discussão resultaria, muito provavelmente, estéril, importa sublinhar a qualidade de alguns dos trabalhos expostos, em qualquer dos casos reflexo das suas vidas interiores. Recuperando as palavras de Zimler na folha de sala, são “admiráveis e invulgares trabalhos”, esperando-se que possam contribuir “para a compreensão de que as pessoas com doenças mentais podem ser tão talentosas e imaginativas quanto o resto da população e merecem todas as oportunidades de exprimir as suas potencialidades criativas e conseguir uma vida realizada”. Se outra virtude não tivesse, esta exposição ajuda-nos a lembrar que “as pessoas que sofrem com doenças mentais tradicionalmente tiveram que lutar para simplesmente ganhar os direitos e benefícios que o resto de nós geralmente toma como garantidos, incluindo o direito à educação e o acesso a cuidados médicos adequados.” O título “Insubmissos” é, assim, uma “homenagem à sua corajosa luta”.
[Texto construído a partir da Folha de Sala da exposição]
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