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segunda-feira, 18 de abril de 2022

CONCERTO: Ricardo Toscano Quarteto



CONCERTO: Ricardo Toscano Quarteto
Teatro Municipal de Vila do Conde
16 Abr 2022 | sab | 21:30


“Isto agora só pode melhorar!” Foi em Setembro de 2018 que escutei, pela primeira vez, Ricardo Toscano. Domingo, fim de tarde, num Jardim do Torel aconchegante para um programa de Jazz preenchido pelo Septeto do Hot Club de Portugal, ele foi a estrela entre as estrelas. O valor acrescentado de cada tema fixava-se nas notas que, plenos de virtuosismo, se derramavam do seu saxofone. Estava ganho um fã. Dois meses mais tarde saiu o seu primeiro álbum de originais e coube a Toscano e ao seu Quarteto a primazia de abrir a segunda edição do Ovar em Jazz, já Abril de 2019 ia alto. O álbum, escutei-o dezenas de vezes. O concerto, bebi-o com emoção. No final, conversámos. Falou-me de evolução, da forma como os temas do álbum eram alvo de trabalho constante. Explicou-me a importância dessa enorme transmutação e do quanto lhe agradava o resultado. Assinou-me o CD e escreveu: “Isto agora só pode melhorar!” Reencontrei-o em Vila do Conde e recordei a nossa conversa e aquilo que escreveu. Só não imaginava que a evolução pudesse ser tão impressionante.

Em noite de Sábado de Aleluia, rumemos a Vila do Conde e ao seu bonito e bem recuperado Teatro Municipal. Cá fora, uma multidão prepara-se para receber – e queimar! – o Judas. Lá dentro, indefectíveis do género, não devemos ultrapassar a meia centena. Em palco, o baterista de serviço é o “lendário” Mário Barreiros, substituindo o habitual João Lopes Pereira. E são de Mário Barreiros os primeiros sons que se escutam na sala, num solo exploratório que mais não faz do que desbloquear os nossos ouvidos e convidar-nos a reconhecer a força e a energia que pode estabelecer-se entre os músicos, indo muito além das tonalidades, dos sons ou da harmonia de cada um dos temas. “Reconhecimento” [“Acknowledgement”], pois. Num registo “non stop”, será este o primeiro tema da noite, num guião consagrado a John Coltrane e à sua obra-prima, “A Love Supreme”. Como que suspensos de cada um dos acordes, percebemos o fluir vivo, intenso e livre desta música. Fechamos os olhos e sentimo-nos como que a flutuar.

“A Love Supreme” foi, com “Blue Train”, do mesmo Coltrane, um dos meus primeiros álbuns de jazz. Não tem conta as vezes que os escutei. Isso, porém, não faz de mim um entendido na obra do mestre, habitualmente considerado pela crítica especializada como o maior sax tenor do jazz de todos os tempos. À solta pela sala de Vila do Conde, foram muitas as passagens que reconheci do trabalho de Coltrane, nomeadamente aquelas onde o protagonismo coube à bateria, ao contrabaixo (de Romeu Tristão) ou ao piano (de João Pedro Coelho). Sobretudo ao piano. As intervenções de Ricardo Toscano tiveram o condão de recuperar a genialidade da musica do norte-americano, de mostrar as suas múltiplas texturas, rendendo-lhe um tributo envolto em essência, significado e talento. Neste verdadeiro monumento de espiritualidade, mágico e místico, o sonho, a coragem e a alegria foram pilares de um exercício de partilha que nos abraçou e preencheu por completo. Um concerto absolutamente sublime. Absolutamente “supreme”.

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